quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Escola Pública Virou Negócio de Família: a manobra que escancara o patrimonialismo em São Miguel do Araguaia


Lei aprovada com quórum irregular, sem licitação e com favorecimento direto ao irmão do prefeito transforma patrimônio público em extensão de empreendimento privado. O silêncio da Câmara e do Ministério Público amplia o escândalo.


📚 Um escândalo jurídico travestido de “incentivo à educação”

São Miguel do Araguaia acaba de protagonizar um dos episódios mais graves de violação à moralidade pública de sua história recente. O prefeito Jeronymo José de Siqueira Neto sancionou a Lei Municipal nº 1.224/2025, que autoriza a cessão integral da Escola Municipal Faria — com salas, equipamentos, mobiliário e estrutura pública — para uso exclusivo da UNISMA Faculdade, empresa privada ligada a seu próprio irmão.


O texto, aprovado às pressas pela Câmara Municipal, foi vendido à população como uma “parceria educacional”, mas, na prática, trata-se de uma transferência disfarçada de patrimônio público para fins particulares, sem licitação, sem contrapartida financeira e sem justificativa técnica.

⚖️ A manobra por trás da lei

A cronologia da aprovação revela um verdadeiro roteiro de desrespeito institucional:


  • Duas sessões extraordinárias foram realizadas no mesmo dia, separadas por apenas 30 minutos;
  • O projeto foi aprovado com apenas 5 votos favoráveis, número inferior ao quórum mínimo de 6 exigido pela Lei Orgânica Municipal;
  • Nenhum vereador exigiu parecer jurídico ou avaliação patrimonial do imóvel;
  • E o mais grave: a lei concede o uso do prédio por 10 anos, prorrogáveis por mais 10, o que na prática significa 20 anos de domínio privado sobre um bem público municipal.

Em qualquer cidade minimamente comprometida com a legalidade, esse seria o bastante para anular o processo legislativo e abrir uma investigação imediata.

🧮 A violação da Lei Orgânica e o vício de origem

O parecer jurídico obtido com base na própria Lei Orgânica de São Miguel do Araguaia (Lei de 2022) é taxativo:

  • O quórum foi insuficiente (5 votos em vez de 6);
  • A tramitação foi irregular, pois ocorreu em duas sessões extraordinárias no mesmo dia;
  • E a matéria tratava de cessão de bem público, que exige lei complementar aprovada por maioria absoluta e processo licitatório prévio.

Ou seja: a lei é formal e materialmente inconstitucional, além de ferir frontalmente os princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade previstos no art. 37 da Constituição Federal.

🧩 Quando o interesse público vira negócio de família

A denúncia mais grave, no entanto, é a de conflito de interesses.

A UNISMA Faculdade São Miguel do Araguaia Ltda., beneficiada com o uso gratuito da escola, tem entre seus sócios o irmão do prefeito Jeronymo Siqueira.


Isso configura nepotismo indireto e enriquecimento ilícito por uso de bem público, tipificados como atos de improbidade administrativa pelos artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992, e como crime de responsabilidade nos termos do Decreto-Lei 201/67.


Na prática, o prefeito está cedendo patrimônio municipal para favorecer o próprio clã familiar, utilizando o argumento de “apoio à educação superior” como fachada para privatização disfarçada.


🏫 Escola pública convertida em campus particular


A Escola Municipal Faria, localizada no Setor Maria Rita, foi cedida integralmente à faculdade.

A cessão inclui:


  • Salas de aula e laboratórios de informática;
  • Secretaria, sala de professores e área de convivência;
  • Móveis e equipamentos públicos adquiridos com recursos da educação básica.

Não há aluguel, taxa de uso ou contrapartida social prevista.

O único “benefício” mencionado é a autorização para que servidores municipais usem as instalações “quando possível” — uma compensação simbólica que beira o deboche institucional.

🔇 Câmara omissa, MP silente


Apesar da gravidade, nenhum vereador apresentou requerimento para impugnar a lei.

O presidente da Câmara, que deveria resguardar a legalidade do processo legislativo, permitiu a votação com quórum insuficiente e não questionou o conflito de interesses.


O Ministério Público de Goiás, por sua vez, ainda não se manifestou oficialmente.

Mas, diante do conteúdo da Lei nº 1.224/2025, é inevitável a abertura de inquérito civil por violação aos princípios da administração pública, conforme prevê o art. 129, III, da Constituição Federal.

💣 Um caso emblemático de patrimonialismo municipal


O episódio escancara o velho vício das administrações interioranas: tratar a máquina pública como extensão de interesses familiares.

Em São Miguel, a escola deixou de ser um espaço de ensino público para se tornar um ativo privado a serviço de parentes do prefeito, em um claro retrocesso ético e institucional.


Não se trata de “erro administrativo” ou “mal-entendido jurídico”.

Trata-se de um ato político consciente, articulado e ilegal, com o objetivo de consolidar o poder familiar sobre o patrimônio público.

🗣️ Opinião do Blog do Cleuber Carlos

A Lei nº 1.224/2025 é uma aberração jurídica e moral.

Não há qualquer justificativa plausível para ceder uma escola pública equipada — construída com o suor do contribuinte — a uma empresa privada de um parente do prefeito.


A Câmara Municipal tornou-se cúmplice por omissão, e o prefeito, autor direto de um ato de improbidade administrativa em potencial.

Enquanto isso, o povo de São Miguel continua sem investimentos em educação infantil, infraestrutura e transporte escolar — vendo seu patrimônio ser transformado em negócio de família.

⚠️ O que vem a seguir

O Blog do Cleuber Carlos encaminhará este parecer à Promotoria de Justiça de São Miguel do Araguaia, recomendando a abertura de inquérito civil público para apuração de improbidade, lesão ao erário e nulidade da lei.

E se o Ministério Público permanecer inerte, o caso será levado às instâncias superiores de controle, como o TCM-GO e o MP Estadual em Goiânia.


Porque o que está em jogo não é apenas uma escola — é o respeito à lei, à moralidade pública e à própria noção de que o poder pertence ao povo, e não às famílias que se alternam no comando do municípios.


Um comentário:

Veredito disse...

https://www.mpgo.mp.br/portal/noticia/denunciados-pelo-mpgo-jornalistas-sao-condenados-pelos-crimes-de-calunia-e-difamacao-praticados-contra-promotor-de-justica