Lei aprovada com quórum irregular, sem licitação e com favorecimento direto ao irmão do prefeito transforma patrimônio público em extensão de empreendimento privado. O silêncio da Câmara e do Ministério Público amplia o escândalo.
📚 Um escândalo jurídico travestido de “incentivo à educação”
São Miguel do Araguaia acaba de protagonizar um dos episódios mais graves de violação à moralidade pública de sua história recente. O prefeito Jeronymo José de Siqueira Neto sancionou a Lei Municipal nº 1.224/2025, que autoriza a cessão integral da Escola Municipal Faria — com salas, equipamentos, mobiliário e estrutura pública — para uso exclusivo da UNISMA Faculdade, empresa privada ligada a seu próprio irmão.
O texto, aprovado às pressas pela Câmara Municipal, foi vendido à população como uma “parceria educacional”, mas, na prática, trata-se de uma transferência disfarçada de patrimônio público para fins particulares, sem licitação, sem contrapartida financeira e sem justificativa técnica.
⚖️ A manobra por trás da lei
A cronologia da aprovação revela um verdadeiro roteiro de desrespeito institucional:
- Duas sessões extraordinárias foram realizadas no mesmo dia, separadas por apenas 30 minutos;
- O projeto foi aprovado com apenas 5 votos favoráveis, número inferior ao quórum mínimo de 6 exigido pela Lei Orgânica Municipal;
- Nenhum vereador exigiu parecer jurídico ou avaliação patrimonial do imóvel;
- E o mais grave: a lei concede o uso do prédio por 10 anos, prorrogáveis por mais 10, o que na prática significa 20 anos de domínio privado sobre um bem público municipal.
Em qualquer cidade minimamente comprometida com a legalidade, esse seria o bastante para anular o processo legislativo e abrir uma investigação imediata.
🧮 A violação da Lei Orgânica e o vício de origem
O parecer jurídico obtido com base na própria Lei Orgânica de São Miguel do Araguaia (Lei de 2022) é taxativo:
- O quórum foi insuficiente (5 votos em vez de 6);
- A tramitação foi irregular, pois ocorreu em duas sessões extraordinárias no mesmo dia;
- E a matéria tratava de cessão de bem público, que exige lei complementar aprovada por maioria absoluta e processo licitatório prévio.
Ou seja: a lei é formal e materialmente inconstitucional, além de ferir frontalmente os princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade previstos no art. 37 da Constituição Federal.
🧩 Quando o interesse público vira negócio de família
A denúncia mais grave, no entanto, é a de conflito de interesses.
A UNISMA Faculdade São Miguel do Araguaia Ltda., beneficiada com o uso gratuito da escola, tem entre seus sócios o irmão do prefeito Jeronymo Siqueira.
Isso configura nepotismo indireto e enriquecimento ilícito por uso de bem público, tipificados como atos de improbidade administrativa pelos artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992, e como crime de responsabilidade nos termos do Decreto-Lei 201/67.
Na prática, o prefeito está cedendo patrimônio municipal para favorecer o próprio clã familiar, utilizando o argumento de “apoio à educação superior” como fachada para privatização disfarçada.
🏫 Escola pública convertida em campus particular
A Escola Municipal Faria, localizada no Setor Maria Rita, foi cedida integralmente à faculdade.
A cessão inclui:
- Salas de aula e laboratórios de informática;
- Secretaria, sala de professores e área de convivência;
- Móveis e equipamentos públicos adquiridos com recursos da educação básica.
Não há aluguel, taxa de uso ou contrapartida social prevista.
O único “benefício” mencionado é a autorização para que servidores municipais usem as instalações “quando possível” — uma compensação simbólica que beira o deboche institucional.
🔇 Câmara omissa, MP silente
Apesar da gravidade, nenhum vereador apresentou requerimento para impugnar a lei.
O presidente da Câmara, que deveria resguardar a legalidade do processo legislativo, permitiu a votação com quórum insuficiente e não questionou o conflito de interesses.
O Ministério Público de Goiás, por sua vez, ainda não se manifestou oficialmente.
Mas, diante do conteúdo da Lei nº 1.224/2025, é inevitável a abertura de inquérito civil por violação aos princípios da administração pública, conforme prevê o art. 129, III, da Constituição Federal.
💣 Um caso emblemático de patrimonialismo municipal
O episódio escancara o velho vício das administrações interioranas: tratar a máquina pública como extensão de interesses familiares.
Em São Miguel, a escola deixou de ser um espaço de ensino público para se tornar um ativo privado a serviço de parentes do prefeito, em um claro retrocesso ético e institucional.
Não se trata de “erro administrativo” ou “mal-entendido jurídico”.
Trata-se de um ato político consciente, articulado e ilegal, com o objetivo de consolidar o poder familiar sobre o patrimônio público.
🗣️ Opinião do Blog do Cleuber Carlos
A Lei nº 1.224/2025 é uma aberração jurídica e moral.
Não há qualquer justificativa plausível para ceder uma escola pública equipada — construída com o suor do contribuinte — a uma empresa privada de um parente do prefeito.
A Câmara Municipal tornou-se cúmplice por omissão, e o prefeito, autor direto de um ato de improbidade administrativa em potencial.
Enquanto isso, o povo de São Miguel continua sem investimentos em educação infantil, infraestrutura e transporte escolar — vendo seu patrimônio ser transformado em negócio de família.
⚠️ O que vem a seguir
O Blog do Cleuber Carlos encaminhará este parecer à Promotoria de Justiça de São Miguel do Araguaia, recomendando a abertura de inquérito civil público para apuração de improbidade, lesão ao erário e nulidade da lei.
E se o Ministério Público permanecer inerte, o caso será levado às instâncias superiores de controle, como o TCM-GO e o MP Estadual em Goiânia.
Porque o que está em jogo não é apenas uma escola — é o respeito à lei, à moralidade pública e à própria noção de que o poder pertence ao povo, e não às famílias que se alternam no comando do municípios.

Um comentário:
https://www.mpgo.mp.br/portal/noticia/denunciados-pelo-mpgo-jornalistas-sao-condenados-pelos-crimes-de-calunia-e-difamacao-praticados-contra-promotor-de-justica
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