A crise entre o governo Ronaldo Caiado e a Assembleia Legislativa de Goiás deixou de ser apenas uma disputa contábil sobre emendas e duodécimos. O que emergiu nos bastidores da votação da PEC que ampliava o valor das emendas impositivas foi um cenário muito mais áspero, permeado por relatos de pressão, acusações de favorecimento, clima de hostilidade e — o elemento mais explosivo — suspeitas de que o governo teria circulado um “dossiê” envolvendo deputados da própria base.
A informação veio à tona pela via formal do jornalismo profissional: O Popular, em reportagem recente, citou que parlamentares falaram abertamente em plenário sobre ameaças de investigação e até de prisão dirigidas a dois deputados do Solidariedade: Júlio Pina e Coronel Adailton. A matéria afirma ainda que, nos bastidores, havia quem comentasse sobre um suposto dossiê relacionado a repasses de emendas a entidades privadas, supostamente utilizado como mecanismo de pressão em meio à disputa pela derrubada da PEC.
Essa suspeita, mesmo tratada pelo jornal como especulação, acendeu o alerta dentro da Casa. A simples menção a um eventual dossiê — ainda mais num ambiente carregado por tensões entre governo e deputados — ampliou a sensação de vigilância, intimidação e retaliação política.
O voto que virou — e a pressão que ninguém nega
Para entender o contexto: a PEC, protocolada em abril, tinha 20 assinaturas favoráveis. Mas no dia da votação, o placar mudou drasticamente: 25 votos derrubando a proposta e apenas 9 mantendo-a.
Entre os ausentes, justamente um dos citados nas especulações: Júlio Pina.
Coronel Adailton chegou a participar virtualmente da sessão.
O Popular noticiou que parlamentares da oposição e até da base falavam em “pressão”, “cabresto” e “ameaças veladas”. A narrativa dominante era clara: houve interferência direta do governo para reverter votos — e, ao que tudo indica, com métodos que ultrapassaram a articulação política tradicional.
O que seria o “dossiê”?
Segundo o conteúdo publicado:
Haveria um compilado de informações envolvendo repasses de emendas parlamentares a entidades privadas, incluindo organizações sociais (OSs), utilizado para constranger deputados que vinham confrontando o governo na disputa orçamentária.
O tema das OSs, aliás, já vinha sendo motivo de atritos internos. Em outro episódio, também documentado por Mamede Leão, o deputado Gustavo Sebba questionou se o deputado Jamil Calife, cujo hospital teria recebido cerca de R$ 18 milhões via OSs, estaria evitando investigações por interesse próprio.
Assim, os elementos se conectam:
- Emendas parlamentares
- Contratos com OSs
- Repasses a entidades privadas
- Pressão sobre deputados
- Mudança de votos
- Suspeita de uso político de informações sensíveis
O cenário, portanto, não é isolado: é sistêmico.
Ameaças, CPIs e o clima de hostilidade
A tensão cresceu a ponto de parlamentares cogitarem responder às pressões com CPIs contra o governo, especialmente para investigar contratos da saúde e falhas na segurança pública.
Ainda segundo a reportagem, líderes da base tentaram minimizar o episódio, alegando que tudo não passou de “falas mal interpretadas” e “cabeça quente”. Porém, como ocorre nos momentos mais críticos da política goiana, quando lideranças pedem calma demais, é porque o conflito é maior do que desejam admitir.
O deputado Amauri Ribeiro, um dos poucos da base a comentar o assunto em público, foi direto:
“Deixamos claro nas reuniões que não aceitamos esse tipo de atitude.”
Mesmo sem entrar em detalhes, a frase — seca e firmada no plural — confirma que algo aconteceu.
Enquanto isso, o acordo político caminhava
Paralelo às denúncias, outro movimento ocorria:
- Deputados aliados receberam um “plus” no orçamento das secretarias de Saúde e Educação.
- O líder do governo, Talles Barreto, costurava a reviravolta.
- O vice-governador, Daniel Vilela, conduzia reuniões e “bateu o martelo” sobre o acordo final.
- O presidente da Alego, Bruno Peixoto, recuou após diálogo direto com Caiado, alegando razões técnicas ligadas ao Regime de Recuperação Fiscal.
No fim, o governo conseguiu o que queria.
E isso reforça ainda mais a percepção entre os deputados de que a pressão funcionou — seja ela política, orçamentária ou, como sugerem as especulações, baseada em informações sensíveis.
O que fica exposto após essa crise
- A base aliada não está tão coesa quanto aparenta.
- A relação entre governo e deputados passa, hoje, por um grau de tensão incomum.
- O tema das OSs, emendas e repasses privados ganhou centralidade e pode resvalar em novos confrontos.
- O suposto dossiê, mesmo sem comprovação, alimenta a desconfiança e fragiliza o ambiente político.
- Ameaças — reais, percebidas ou especuladas — tornaram-se parte explícita do debate.
Goiás já viu muitas disputas políticas duras, mas poucas com a combinação atual:
orçamento estrangulado, base fragmentada, rumores de dossiês, deputados acusando pressão e governo tentando conter danos.
Essa crise ainda não terminou.
E se há algo que a política goiana ensina é:
onde há fumaça, a Assembleia costuma levantar a tampa — cedo ou tarde.

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