sábado, 29 de novembro de 2025

132 Anos de Guerra Fizeram de Catalão a Cidade dos Fogos, dos Punhais e das Traições que Nunca Terminam

CIDADE DE FOGOS: COMO A GUERRA ENTRE FAMÍLIAS DE CATALÃO SOBREVIVEU MAIS DE UM SÉCULO

Catalão gosta de se apresentar como polo industrial, terra de oportunidades e orgulho regional. Mas quem conhece sua história sabe: por trás das avenidas modernas, pulsa uma cidade marcada por sangue, vingança e disputas de clãs que atravessam gerações. Do Primeiro Fogo (1892) à guerra política de Adib Elias x Gustavo Sebba x Jamil Calife, Catalão nunca deixou de viver sob a lógica ancestral que explica seu passado e o seu presente.

O que muda é apenas a arma utilizada.

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I. OS FOGOS: O BERÇO DA POLÍTICA CATALANA

No final do século XIX, Catalão era descrita como um faroeste do cerrado, uma terra onde valia mais a reputação de um pistoleiro do que a autoridade do Estado.

Os moradores antigos chamavam simplesmente de Fogo os seus grandes conflitos:

• Primeiro Fogo – 1892

• Segundo Fogo – 1897

• A longa noite dos punhais – 1936

Foram décadas de acertos de contas, confrontos entre famílias, jagunços montados à cavalo e emboscadas nas ruas estreitas e lamacentas do centro.

Nesse cenário, nomes como Salomão de Paiva, Albino Felipe, Índio Afonso, Isaac da Cunha e os irmãos Sampaio escreveram capítulos de violência que ecoam até hoje.

O episódio mais brutal, reconstruído pelo escritor Ivan Sant’Anna, foi o assassinato do farmacêutico Antero da Costa Carvalho, em 1936, executado por um grupo de cavaleiros liderado por João e Divânio Sampaio.

Foi a consagração de Catalão como território de vinganças familiares.

Não era política: era sobrevivência. 

HERANÇA DE SANGUE 


A história política e social de Catalão ganhou uma obra marcante em 2012, quando o escritor Ivan Sant’Anna, que passou parte da infância na cidade, publicou o livro Herança de Sangue – Um Faroeste Brasileiro. A obra reconstrói, com base em depoimentos de moradores, documentos históricos e pesquisa detalhada, os episódios de violência, emboscadas e disputas familiares que marcaram a cidade desde o século XIX. É nesse livro que aparecem, por exemplo, descrições dramáticas dos Fogos de Catalão — incluindo a tocaia que vitimou Antero da Costa Carvalho, em 1936 — e a atuação de clãs poderosos, jagunços e chefes políticos que moldaram a identidade de uma cidade onde conflitos nunca foram apenas episódios isolados, mas parte de uma tradição que atravessa gerações. Em muitos aspectos, a obra funciona como uma chave para entender a guerra moderna entre Elias, Sebba e Calife: as famílias mudam, os sobrenomes mudam, mas a lógica permanece a mesma
.


II. O QUE SOBREVIVEU DOS FOGOS: A LÓGICA DAS FAMÍLIAS

Catalão evoluiu, asfaltou, industrializou. Mas as dinâmicas que nasceram nos Fogo nunca desapareceram. Elas apenas trocaram o coldre político:

  • No lugar de jagunços, surgiram cabos eleitorais e operadores de bastidor.
  • No lugar de emboscadas, vieram alianças e rupturas súbitas.
  • No lugar de punhais, surgiram disparos de influência, denúncias, pesquisas e acordos de madrugada.

O que permanece é o eixo motor:

famílias disputando território, influência e sucessão.

É nesse ponto que o passado e o presente finalmente se encontram.

III. A TRILOGIA MODERNA: ADIB, SEBBA E JAMIL CALIFE

Ao olhar para os últimos 30 anos, Catalão voltou a ser dominada não por coronéis do gado, mas por trincheiras familiares.

1. A Era Adib Elias

O patriarca político moderniza o conceito de domínio local.

Constrói uma máquina eleitoral de alta eficiência e torna-se o grande árbitro da política da cidade. Adib se elegeu prefeito por 4 mandatos, deputado estadual e chegou a se lançar pré candidato ao governador.

2. A Resistência Sebba (Jardel → Gustavo)

A família Sebba surge como rival histórica, repetindo a lógica dos clãs de outrora.

Jardel Sebba, primo de Adib, vira o principal antagonista. Vira Deputado Estadual, Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás e Prefeito de Catalão.

Gustavo Sebba herda o espólio e se torna deputado.

3. O Fator Jamil Calife

Primo de Jardel, Jamil começa como adversário de Adib.

Depois se alia a ele — exatamente como nos Fogos, quando grupos inimigos se uniam temporariamente contra um terceiro. Adib como prefeito, apoia Jamil Calife para deputado estadual, contra Gustavo Sebba, elege Jamil. Gustavo Sebba também consegue se reeleger.

Agora Adib se lança pré candidato a deputado estadual disputando espaço com o já Deputado Jamil Calife. Neste cenário o rompimento é eminente, voltando à condição de adversário.


Hoje, Jamil Calife é candidato a deputado, enfrentando Adib no mesmo território. Adib elegeu seu sucessor   Velomar, que em tese deveria apoiar Adib, mas que também apoia Jamil Calife.

IV. A FASE ATUAL: O QUINTO FOGO, A GUERRA DA SUCESSÃO


Catalão atravessa neste momento aquilo que pode ser interpretado como o Quinto Fogo, mas agora travado no campo institucional:

Adib quer se eleger deputado estadual 

Jamil Calife quer manter seu espaço e crescer politicamente.

Gustavo Sebba já é deputado e representa a linhagem oposta ao adibismo.

O tabuleiro ficou assim:

  • Adib Elias x Jamil Calife (rompidos, de novo)
  • Jamil Calife x Gustavo Sebba (disputa de base e território)
  • Gustavo Sebba x Adib Elias (adversários históricos)

As alianças entre primos, rompimentos abruptos, viradas de mesa e reaproximações estratégicas reproduzem o mesmo padrão que marcou Catalão durante o século XIX e início do XX.

A história, em Catalão, não se repete como farsa:

repete-se como método.

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V. DO PUNHAL AO PODER: O QUE NÃO MUDOU EM 132 ANOS


Desde 1892, Catalão vive o mesmo dilema:

Quem controla a cidade? Qual família dita as regras? Quem herda o poder?

No passado, a resposta saía do cano de uma espingarda.

Hoje, sai do cálculo eleitoral entre três famílias que se movem como peças de xadrez:

  • Elias (poder institucional e sucessório)
  • Sebba (hereditariedade política e oposição histórica)
  • Calife (o eixo de ruptura, aliança e reconexão)

Porque no fundo, nada disso é apenas política. Nada disso é apenas disputa institucional. Catalão revive, diante dos nossos olhos, uma velha guerra de clãs que atravessa séculos, agora travada dentro de gabinetes, diretórios partidários, curral eleitoral e redes sociais — mas com a mesma tensão, a mesma lógica ancestral e o mesmo sangue que outrora decidiram destinos no embalo dos Fogos.


E talvez o detalhe mais simbólico — e mais perturbador — dessa história seja justamente este:

os três protagonistas dessa nova guerra são primos.


Adib Elias.

Jamil Calife.

Jardel Sebba — agora representado pelo filho, Gustavo.


Três descendentes da mesma raiz familiar, disputando o mesmo território, buscando a mesma herança política, repetindo — consciente ou inconscientemente — o velho ritual de poder que desde 1892 define quem manda, quem resiste e quem cai em Catalão.


É por isso que a cidade parece presa a um ciclo que se recusa a terminar.

Porque essa guerra não é apenas eleitoral.

É genealógica.

É histórica.

É hereditária.


E enquanto os antigos Fogos eram decididos à bala, os novos Fogos se decidem no voto, mas com a mesma intensidade, as mesmas alianças quebradas e a mesma rivalidade familiar que transformou Catalão na Cidade dos Fogos, dos Punhais e das Traições.


O que está por vir?

Ninguém sabe ao certo.

Mas uma coisa é evidente:


O Quinto Fogo não terminou.

Ele apenas começou.

E Catalão, mais uma vez, arde em silêncio.

Manifestação de Jardel Sebba

No xadrez político de Catalão, onde alianças duram o tempo exato em que são úteis e rupturas se travestem de “mudança de rumo”, um ponto levantado por quem conhece profundamente esse tabuleiro precisa ser registrado. Jardel Sebba, uma das figuras mais longevas e experimentadas da política local, fez questão de enfatizar um detalhe que, para ele, não é detalhe: “nós nunca traímos.”


Segundo Jardel, o grupo histórico do PSDB catalano permaneceu ao lado de Marconi Perillo mesmo quando o ex-governador “foi para o fundo do fundo do poço”, enfrentando seu pior momento político. Para ele, lealdade — palavra em extinção na política — foi mantida até o fim. E é aqui que sua leitura dos bastidores adiciona peso à análise.


Jardel sugere que, se for para falar em traições, o mapa precisa ser redesenhado com precisão:

• Adib Elias, que rompeu com Daniel Vilela para apoiar Ronaldo Caiado;

• a expulsão e posterior retorno ao MDB, negociado pelo próprio Daniel;

• o movimento do próprio Daniel, que, por sua vez, “traiu o partido para fechar com Caiado”;

• o episódio em que Adib, sem um sucessor claro, estimula Calife a romper com o grupo e lançá-lo candidato — apenas para, depois, romper com Calife e simultaneamente ser rompido por Velomar.


Para Jardel, o histórico das fraturas em Catalão não pode ser contado pela metade. O fio condutor sempre volta para o mesmo ponto: quem mudou de lado, quando mudou e por qual circunstância. O adendo não altera o diagnóstico político, mas amplia o mapa: ninguém nesse jogo é vítima pura; todos são peças que se moveram conforme seus próprios interesses.


E, quando um veterano da envergadura de Jardel fala, o mínimo que a crônica política pode fazer é registrar — porque bastidor ignorado vira narrativa incompleta.





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