domingo, 8 de julho de 2018

Jornal O Popular Publica Fake News Contra Demóstenes Torres

O debate sobre as fake news tem dominado a imprensa e o meio político. A edição deste domingo de O Popular tenta abordar o tema mas acaba produzindo jornalismo de baixa qualidade, contrariando a história e os marcos estabelecidos por seus fundadores - que não passam por seus repórteres fazendo pamonha em casa de determinadas pessoas. O jornal tenta diminuir o legado de um dos mais importantes parlamentares eleitos por Goiás, o procurador de Justiça Demóstenes Torres. Por falta de rigor na apuração e imparcialidade, O Popular pública fake news ao invés de esclarecer o leitor, como deve fazer o bom jornalismo.

Jaime Câmara em pessoa, o homem que dá o nome ao grupo, foi um deputado federal e sentiu na pele a dificuldade em se destacar em meio a políticos tarimbados de todos os pontos do país. Nomes do calibre de senadores como Alfredo Nasser, Henrique Santillo e, mais recentemente, Demóstenes Torres se tornaram notórios a nível nacional, mas não nas páginas de O Popular. 

Não tenho dúvidas que Jaime Câmara não exitaria em dar uma capa para cada ato do trabalho do então senador Demóstenes, ano após ano, apontado pelo Diap um dos “Cabeças do Congresso” (e aqui vale lembrar que o Diap é um instituto de esquerda e Demóstenes, um dos principais nomes de oposição aos petistas no poder, Lula e Dilma, além de um crítico dos sindicatos que mantêm o Diap). As honrarias não param por aí. Demóstenes foi eleito pela revista Época um dos Brasileiros do Ano, escolhido pela ONU um dos mil que iriam pensar o Século XXI, vencedor e tantas vezes entre os primeiros do Congresso em Foco.

Não há um político, um repórter ou copeira em Brasília que não que Demóstenes foi ejetado do mandato para atender a interesses obscuros de gente pouco democrática. Tanto é verdade que Demóstenes venceu uma a uma em todas as instâncias da mesma Justiça Federal que tanto condenam políticos. A lista de absolvições do procurador de Justiça goiano passa ainda pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), que mantêm presas dezenas de acusados em operações como a Lava Jato, de todas as cores partidárias, inclusive o ex-presidente Lula, que foi um dos principais articuladores da cassação de Demóstenes.

Na edição deste domingo, em uma reportagem da jornalista Karla Araújo, o jornal trata sobre a visita a Goiás do presidente do TSE, o ministro do STF Luiz Fux. No meio do tema, faz uma análise de um vídeo feito sobre um poema de cordel que conta sobre as realizações de Demóstenes no Senado. É natural que políticos, principalmente os que devem enfrentar as urnas nesta eleição, publiquem esse tipo de vídeo diariamente. Nenhum outro foi analisado pelo jornal. O Popular focou nos versos da literatura popular feitos por um ex-assessor de Demóstenes, dando a entender que a repórter e seus editores não estão familiarizados com o estilo literário ou apenas refletem a reconhecida má vontade do jornal com o ex-senador. Para os funcionários do GJC, o autor das estrofes, Nilson Gomes, deveria meramente reproduzir literalmente os relatórios da burocracia, na linguagem preferida dos burocratas de plantão.

Nilson Gomes já adaptou para a poesia clássicos do gabarito de Mann e Cervantes, passando por peças de Shakespeare, chegando aos contos de Tchecov, mas, à exceção de Rogério Borges, o grupo de comunicação não exige de seus integrantes conhecimento sobre o assunto. Pelo que se nota nas respostas reproduzidas abaixo às perguntas feitas ao jornalista Diogo Luz, ex-assessor de Demóstenes no Senado e atualmente voluntário de sua pré-campanha, a jornalista da a entender que acredita que o procurador seja o autor dos versos de cordel. A publicação também ignora métrica, sílaba tônica, os pequenos detalhes da poesia, e exige que o repentista entorte os versos para caber a definição de autoria, relatoria e outros termos burocráticos. Se tivesse consultado os dicionários, e não somente um advogado, que, sem surpresa alguma, defende o mesmo ponto de vista editorial, O Popular faria bom jornalismo e não apenas perseguição a um nome que tanto orgulho deu a Goiás, que já sofreu tanto e que luta para se erguer, apesar da oposição de alguns. 

A íntegra das perguntas e das respostas

Boa noite, Diogo! 

Como conversamos por telefone, estou produzindo uma reportagem relacionada ao cordel divulgado pelo ex-senador Demóstenes Torres. Percebi que algumas informações do vídeo não são verdadeiras. Tenho algumas questões: 

Primeiramente, vamos esclarecer: não há sequer uma informação “não verdadeira”, como seu preâmbulo cita expressamente.

O vídeo tem os versos de um autor que não é o procurador Demóstenes. Quem fez o cordel foi o Nilson Gomes, que pode ser contatado pelo fone 62–99679–6501. Portanto, questão de nomenclatura é com ele. Pelo jeito que você perguntou, fica parecendo que o Demóstenes é um repentista. Por mais que ele tenha apreço à cultura popular, à nordestina inclusive, não consegue fazer os versos de cordel.

Então, eventual verbo que você interpreta como “informações que não são verdadeiras”, perguntei ao Nilson e ele respondeu:

“Vai muito da métrica”. Então, ele usou o verbo fazer para quase tudo relacionado a projeto, porque “em uma sílaba resolve uma ação”. Assim, o que era relatório ou redação própria de projeto, tudo virou “fez”. Consultei o procurador Demóstenes e ele disse que o jornalista-cordelista não está errado: relatar uma proposição é, obviamente, fazer um relatório. Fora a obviedade, o relator é um autor do projeto, pois eventualmente pode ser autor de emendas, autor de veto a emendas, autor de um texto que modifique completamente o texto original, enfim, autor.

Torço para que, a partir da pauta que você me apresenta, tenha surgido um maravilhoso movimento de checagem de tudo o que as pessoas divulgam. Seria ótimo vendo os jornalistas medindo os tais milhares de quilômetros de pavimentação citado nas placas. Contando os beneficiários de programas sociais. Enfim, usando as mesmas medidas para os diversos políticos, não apenas para aquele que já tantas vezes foi vítima.

1-Qual era o objetivo ao lançar um vídeo como cordel e em uma ocasião como a festa de Trindade? A divulgação aconteceu apenas no youtube?

Demóstenes passou seis anos apenas apanhando, sem se defender. Quando ainda era senador, fez discursos mostrando o absurdo das acusações, mas não lhe deram atenção. Por recomendação da defesa e para evitar bate-boca em público, o que intensificaria o linchamento de que foi vítima, resolveu se manifestar apenas depois de absolvido. Foi o que ocorreu. A poesia popular é uma forma de comunicação, aliás, bastante eficiente, pois remete às origens de grande parte dos goianos. Um amigo traduziu a peça-base da defesa de Demóstenes no STF em estrofes de sete versos de sete sílabas, contadas até a última tônica.

2-No vídeo diz “Lei Maria da Penha, na verdade, projeto seu”. Isso não é verdade, já que a iniciativa foi do Poder Executivo. O senhor teve alguma participação além de fazer parte da CCJ na época, comissão pela qual a matéria tramitou? 

A origem da Lei Maria da Penha está na Lei Consuelo Nasser, um projeto de Demóstenes Torres apresentado e aprovado no Senado em 2003.

A ideia original era uma reivindicação de grupos nacionais ligados à defesa da mulher. Em Goiás, o Centro de Valorização da Mulher (Cevam) capitaneava a luta, sobretudo, para que fossem alterados trechos da lei 9.099 que permitiam ao autor de agressão doméstica voltar da delegacia antes da vítima. No máximo, a violência de gênero resultava em pagamento de cestas básicas, que não raramente o agressor tirava da alimentação das vítimas.

Consuelo, uma das fundadoras do Cevam, pediu a Demóstenes que, se fosse eleito senador, apresentasse projeto para acabar com essa barbárie. A grande líder feminista morreu em agosto de 2002. Ao chegar ao Senado, em 2003, Demóstenes cumpriu o compromisso com a amiga.

As relações de trabalho entre Demóstenes e as minorias vinham desde seus tempos de promotor de Justiça, procurador-Geral de Justiça e secretário de Segurança Pública e Justiça. Em todos os cargos, foi interlocutor frequente das lideranças feministas, como pode ser comprovado nas entidades de atuação à época, o próprio Cevam e sua atual presidente, Dolly Soares.

O projeto de lei foi bastante aplaudido e o próprio governo Lula, ao qual Demóstenes se opunha com veemência, mandou que sua bancada apoiasse a ideia. 

A Lei Consuelo Nasser era ainda mais rigorosa, prevendo penas justas e, portanto, duras (uma delas de até 30 anos para o feminicídio, termo que viria a se popularizar tempos depois, quando inclusive virou outra lei). No geral, o rigor era maior do que o do texto final da Maria da Penha.

Para me barrar como autor, a saída encontrada pelo Palácio do Planalto foi barrar a exposição obtida pelo senador oposicionista e dar a sua versão do projeto.

Para Demóstenes, tudo bem, o que importava era a mudança na legislação. Assim, o que era a Lei Consuelo Nasser virou Lei Maria da Penha (homenagem igualmente merecida), o que era projeto de opositor virou projeto do governo e o que era endurecimento da lei foi abrandado.

Por isso é que, na verdade, Consuelo Nasser foi a autora da ideia compartilhada por tantas outras, Demóstenes foi o autor do projeto e o combate à impunidade o grande beneficiado.

3- O cordel também diz que o senhor “fez a Lei da Ficha Limpa”. O senhor foi relator, ou seja, não é autor da lei. Teve mais alguma participação? 

Poderia gastar páginas e páginas de argumentos, que você não vai publicar, sobre etimologia e, até, sobre redação legislativa. Mas é o caso explicado no preâmbulo: o verbo “fez” do verso não está errado, pois fez o relatório, como você pode concluir após ver no link (http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4213678&disposition=inline) que o relator Demóstenes rejeitou algumas emendas, aceitou outras, enfim deu novo texto à ideia original, o que é comum no Legislativo. Se deu novo texto, é no mínimo coautor. Foi aperfeiçoada. Modificada. Enfim, a excelente iniciativa teve acolhida geral. Por exemplo: o então senador Francisco Dornelles (RJ) teve emenda aproveitada na Lei da Ficha Limpa. Dornelles não é autor nem relator, mas a verdade é que é um dos autores. Em resumo: para ser autor, não precisa estar como relator ou autor nos registros mais facilmente encontráveis. Com uma pesquisa um pouco mais aprofundada, você vai encontrar diversos autores para praticamente todas as leis.

4- A PEC do Cerrado é o projeto do senhor, mas não chegou a ser aprovada, correto? 

A PEC do Cerrado é de autoria de Demóstenes, como havia sido dos petistas goianos Pedro Wilson (antes de Demóstenes) e Neyde Aparecida (em comissão especial na Câmara que estudou o tema). Era uma iniciativa tão boa que outros parlamentares também a apresentaram, o que é digno de aplausos, pois se lembraram do Cerrado. A proposta integrar a Constituição, independentemente de quem e quantos são os autores, será para o bem do bioma. A PEC apresentada por Demóstenes (no Senado, PEC 51 de 2003, que na Câmara virou PEC 504 de 2010) acabou apensada com outras iniciativas. O que está no cordel é a verdade: “Fez a PEC do Cerrado”. E a PEC foi realmente feita. Uma das bandeiras de Demóstenes para voltar ao Senado é exatamente retomar a luta em favor do Cerrado, com suas águas, seus bichos, suas plantas, seus ares. Será a volta da batalha para que a Constituição ampare o bioma.

5- O vídeo também diz que entre as leis feitas pelo o senhor está o Estatuto do Idoso, do qual o senhor foi relator. Teve mais alguma participação?

Demóstenes foi o relator, sim, com participação de milhares de pessoas. Ele percorreu os municípios goianos e diversos Estados ouvindo opiniões. Houve muito lobby contra algumas conquistas do Estatuto do Idoso, mas o relatório as manteve.

6- No vídeo diz que o senhor foi responsável por toda a legislação contra a pedofilia, o que não é verdade. O senhor foi relator da CPI da Pedofilia, o que foi um papel extremamente importante. Porém, foi autor de alguma lei relacionado ao assunto. A reportagem procurou matérias de sua autoria e não encontrou.

Demóstenes foi o relator e, a partir de seu texto, surgiu a legislação de proteção às crianças, conforme você pode checar no link http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4613107&disposition=inline.

A Comissão percorreu o País, inclusive em municípios do interior goiano, colhendo depoimentos e sugestões. Milhares de participações chegaram via internet ou por cartas ao gabinete de Demóstenes. Então, os documentos legislativos são ao mesmo tempo dele e de todos que participaram. Você verá no link que do relatório saíram leis (pág. 329 em diante) que já deveriam compor o espectro legal brasileiro há muito tempo. Um exemplo é a Lei Joanna Maranhão, assim batizada em homenagem à atleta, orgulho da natação brasileira. Autoria da Lei Joanna Maranhão: CPI da Pedofilia. Relator da CPI da Pedofilia: Demóstenes Torres. Não é questão de se vangloriar por ter escrito algo ou participando de CPI, é questão de reconhecer a importância das muitas pessoas que se movimentaram para combater essa barbárie.

Demóstenes foi relator também da alteração no Código Penal que acabou com os Crimes contra os Costumes e tipificou os Crimes contra a Dignidade Sexual. Uma boa novidade foi a tipificação do estupro de vulnerável, para proteger quem tem menos de 14 anos, uma das medidas eficazes contra a pedofilia.

7- O senhor fala que foi vítima de fake news e chegou a ter depressão em anos que sucederam a sua cassação. As informações divulgadas pelo senhor por meio do cordel também podem ser consideradas fake news, na sua opinião? 

Só se houver outra tradução para o termo. Fake News, até onde se sabe, são notícias falsas. Que notícia falsa o cordelista narra ali? Para começar, ali não é um jornal, não tem caráter noticioso algum, é a recriação feita em versos. Mesmo assim, nem as chamadas licenças poéticas aparecem exagerando algo ou, para usar o termo citado em sua pergunta, falseando. O que há, Karla, é uma rara defesa de Demóstenes, depois de tantos e tantos anos de (aí, sim) fake news implodindo sua honra.

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