A gestão da saúde pública em Rio Verde revela um retrato preocupante de como o poder político, quando não respeita limites éticos claros, continua operando mesmo após o fim do mandato. O caso envolve o Instituto de Planejamento e Gestão de Serviços Especializados (IPGSE), uma Organização Social responsável pela administração de serviços de saúde, contratos firmados com o Município e a subcontratação de empresas privadas ligadas diretamente ao entorno familiar do ex-prefeito Paulo do Vale, hoje Secretário de Governo.
Formalmente, está tudo “regular”. Materialmente, o cenário grita conflito de interesses.
A arquitetura do problema: OS, contratos e subcontratações
Organizações Sociais são frequentemente apresentadas como solução moderna para a gestão da saúde. Não são empresas, não têm sócios, não visam lucro. Mas isso não significa ausência de riscos.
O IPGSE, embora juridicamente privado, opera com recursos públicos, administra unidades do SUS e depende diretamente de contratos assinados pelo poder público municipal. Em Rio Verde, esses contratos foram firmados durante a gestão de Paulo do Vale como prefeito.
Até aqui, nada de ilegal.
O problema começa quando a OS subcontrata empresas privadas para execução dos serviços médicos — e entre essas empresas aparece a Renal Care Serviços Médicos Ltda, representada pelo médico Guilherme do Vale Garcia, sobrinho direto do então prefeito.
Não se trata de suposição. Trata-se de documentos oficiais.
O ponto sensível: parentesco + poder + dinheiro público
É preciso ser claro:
👉 o simples fato de um parente de prefeito prestar serviços a uma OS não configura, automaticamente, crime.
Mas o jornalismo sério não se limita ao “não é crime”. Ele investiga se é ético, se é moral e se respeita os princípios constitucionais da administração pública.
A Constituição Federal é cristalina ao impor à gestão pública os princípios da impessoalidade, moralidade e legalidade. Esses princípios não se limitam à assinatura direta de contratos — alcançam também a influência política, o ambiente decisório e a aparência de favorecimento.
Quando uma Organização Social:
- recebe milhões do município,
- subcontrata empresa ligada a parente do prefeito,
- mantém esse contrato ao longo do tempo,
- e segue prestando serviços mesmo após o prefeito assumir cargo estratégico no governo,
a pergunta não é mais se “pode”.
A pergunta é: por que ninguém achou necessário interromper, revisar ou ao menos blindar essa relação?
Mudança de cargo, permanência do poder
Paulo do Vale deixou o cargo de prefeito, mas não deixou o centro do poder municipal. Ao assumir a Secretaria de Governo, passou a ocupar uma função ainda mais estratégica: articulação política, coordenação administrativa e influência direta sobre contratos, secretarias e prioridades da gestão.
E aqui está o nó central da investigação:
O IPGSE continuou prestando serviços ao município após essa mudança?
Os contratos foram renovados? Houve aditivos? Os repasses continuaram?
Se a engrenagem continuou girando, então o poder apenas mudou de cadeira — não de mãos.
O silêncio da transparência
Até o momento, não há clareza pública suficiente sobre:
- os valores totais repassados ao IPGSE,
- quanto desse montante foi direcionado à Renal Care,
- se houve chamamento público para essa subcontratação,
- quem autorizou e fiscalizou esses contratos,
- e se houve qualquer declaração formal de impedimento por parte do agente político envolvido.
Em contratos de saúde, a ausência de transparência não é detalhe — é alerta vermelho
Legalidade não basta: o problema é institucional
Mesmo que todos os papéis estejam formalmente corretos, o caso revela algo mais profundo:
👉 a naturalização da promiscuidade institucional.
Quando gestores passam a tratar como normal que:
- parentes gravitem em torno de contratos públicos,
- OS funcionem como zonas cinzentas de subcontratação,
- e o poder político continue influente mesmo fora do cargo eletivo,
o resultado é a corrosão da confiança pública.
Não se governa apenas cumprindo a letra fria da lei.
Governa-se respeitando seus princípios.
O que precisa ser investigado — e por quem
Este caso exige apuração independente, com acesso irrestrito aos documentos e respostas objetivas às seguintes questões:
- Qual o valor total do contrato entre Rio Verde e o IPGSE?
- Quanto a Renal Care recebeu e por quais serviços?
- Houve processo público de escolha dessa empresa?
- Quem autorizou a subcontratação?
- O município foi informado formalmente?
- Houve continuidade contratual após Paulo do Vale assumir a Secretaria de Governo?
Essas respostas não podem ficar restritas aos bastidores.
Opinião
O problema aqui não é um sobrenome.
É um modelo de poder que se perpetua, contorna a fiscalização e se protege sob a formalidade jurídica.
Quando a saúde pública vira território de relações pessoais e políticas, o risco não é apenas financeiro — é humano.
E enquanto não houver transparência total, o caso IPGSE–Rio Verde seguirá como símbolo de tudo aquilo que a administração pública não pode aceitar como normal.
No Blog do Cleuber Carlos, o silêncio nunca foi opção.

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