terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Prefeito Muda a Lei para Nomear Procurador — e a Carne Vai para a Família


Mudança legal sob medida, conflito familiar com fornecedores milionários e licitações posteriores colocam a Prefeitura de Morrinhos no centro de um caso que desafia a legalidade e a moral administrativa

A Prefeitura de Morrinhos atravessa um daqueles momentos em que a legalidade formal parece ter sido esticada até o limite para atender a uma conveniência política específica. No centro do episódio está a nomeação de Vinícius Nunes da Silva para o cargo de Procurador-Geral do Município, formalizada pelo Decreto nº 243, de 16 de janeiro de 2025, assinado pelo prefeito Maycllyn Max Carreiro Ribeiro.

À primeira vista, tudo parece “dentro da lei”. Mas basta organizar a linha do tempo — e ler com atenção as leis municipais — para perceber que o problema não está apenas no nome, mas no caminho construído para que esse nome coubesse no cargo.

A lei original: Procurador era cargo de carreira

A Lei Municipal nº 3.918/2023 estabelecia, de forma clara, que o cargo de Procurador-Geral do Município era privativo de membros efetivos da carreira, admitidos por concurso público. Esse modelo segue entendimento consolidado do STF: onde há procuradoria estruturada, a chefia jurídica deve ser exercida por servidor de carreira, como forma de preservar independência técnica e institucional.

Ou seja: o desenho original não comportava nomeação política externa.

A “curva” legislativa: quando a exceção vira regra


O cenário muda com a edição da Lei nº 4.093/2025, que altera profundamente o espírito da norma anterior. A nova redação cria uma válvula de escape jurídica: na hipótese de “desinteresse formalizado” dos procuradores de carreira, o prefeito passa a poder nomear advogado externo, desde que inscrito na OAB e com cinco anos de exercício profissional.

Mais do que isso:

a lei garante que, após nomeado, o ocupante do cargo permanece até exoneração, independentemente de qualquer situação posterior.

Na prática, a exceção virou atalho permanente.

É aqui que surge a pergunta que ecoa nos bastidores políticos de Morrinhos:

👉 o desinteresse foi real — ou apenas o argumento necessário para dobrar a lei?

O nome escolhido e o conflito que a lei não resolve


O nome beneficiado pela nova arquitetura legal é Vinícius Nunes da Silva, advogado regularmente inscrito na OAB-GO, sem antecedentes criminais — fato comprovado por certidão judicial.

Mas a questão central não é criminal.

É ética, administrativa e institucional.


Vinícius Nunes é filho de empresário ligado a empresas historicamente fornecedoras da Prefeitura de Morrinhos, especialmente no ramo alimentício — contratos que, segundo apuração preliminar, movimentam cifras milionárias ao longo dos anos, chegando à casa de milhões por exercício.

E aqui surge o ponto mais sensível:

➡️

licitações envolvendo esse grupo empresarial foram homologadas após Vinícius já estar no cargo de Procurador-Geral.

Mesmo que ele não tenha assinado diretamente cada ato, a Procuradoria é o órgão máximo de controle jurídico da administração, responsável por pareceres, orientações, blindagens e validações.

A pergunta não é se houve assinatura.

A pergunta é: é razoável que o guardião jurídico do município seja filho de um dos maiores fornecedores da própria prefeitura?



O conflito que ninguém quis ver: o procurador e a empresa do pai dentro da Prefeitura

A nomeação de Vinícius Nunes da Silva para o cargo de Procurador-Geral do Município de Morrinhos não é apenas juridicamente questionável pelo caminho legislativo tortuoso que a viabilizou. Ela esbarra em algo ainda mais sensível: o vínculo direto com um dos maiores fornecedores da Prefeitura.

O pai do procurador, Lucimario Fernandes da Silva, é sócio da empresa BEKIM LANCHES E FRIOS LTDA – EPP 

CNPJ: 05.945.390/0001-96

 tradicional fornecedora de carnes para o município, com contratos milionários ao longo dos anos. Trata-se de uma empresa conhecida nos bastidores da administração como presença constante em licitações, especialmente no fornecimento de proteína animal para escolas, hospitais e programas públicos.



O ponto central — e que exige apuração profunda — é que licitações envolvendo a empresa da família ocorreram após Vinícius Nunes já estar no núcleo duro do governo, ocupando cargo de assessor especial e, posteriormente, de Procurador-Geral. Ou seja: o responsável por zelar pela legalidade dos atos administrativos passou a ocupar o cargo máximo da Procuradoria enquanto o negócio da própria família mantinha relação contratual com o município.



Não se trata de afirmar ilegalidade automática. Trata-se de algo mais grave do ponto de vista institucional: conflito de interesses objetivo, que exige, no mínimo, afastamento formal, declaração de impedimento e transparência absoluta — nada disso veio a público.


A situação se agrava quando se observa que a Prefeitura alterou a legislação municipal para permitir a nomeação de um procurador não concursado, abrindo exceção sob o argumento de “desinteresse” dos membros de carreira. A lei foi moldada, o cargo foi ocupado e, na sequência, contratos continuaram fluindo.


O roteiro é conhecido. Caldas Novas caiu exatamente nessa armadilha: mudança de regra para acomodar aliado, fornecedor da família orbitando contratos públicos e, depois, investigação. Morrinhos parece ter seguido o mesmo manual.


Aqui, a pergunta que precisa ser respondida não é retórica — é jurídica e moral:

👉 Como garantir a independência da Procuradoria quando o procurador está ligado por laços diretos a fornecedores do próprio município que ele deveria fiscalizar?


O silêncio institucional não elimina o problema. Apenas o adia.

E, como a história recente mostra, problemas assim não costumam prescrever — explodem.


Legalidade não é sinônimo de legitimidade

A gestão pode alegar que:

  • a lei foi aprovada pela Câmara;
  • o decreto é formalmente válido;
  • não há condenações criminais;
  • os processos licitatórios seguiram ritos.

Tudo isso pode até ser formalmente verdadeiro.

Mas o caso expõe algo mais profundo:

📌 a transformação da lei em instrumento de acomodação política,

📌 a fragilização da autonomia da Procuradoria,

📌 e a erosão da confiança pública no controle jurídico do Executivo.

Quando a lei precisa ser alterada antes da nomeação, quando o nome surge antes da exceção, e quando os contratos aparecem depois, o problema deixa de ser técnico — e passa a ser político e moral.


Um filme já visto — e que costuma terminar mal

Casos semelhantes já ruíram em outros municípios goianos. O roteiro é conhecido:

  1. mudança legal sob medida;
  2. nomeação politicamente conveniente;
  3. silêncio institucional;
  4. contratos cruzados;
  5. e, por fim, questionamentos do Ministério Público.

Em Morrinhos, o assunto pode até ter sido abafado no início. Mas, como costuma acontecer, o tempo transforma atalhos em provas documentais.

A pergunta agora não é se o caso vai evoluir.

É quando — e em qual instância.


Este espaço permanece aberto para manifestação da Prefeitura de Morrinhos, da Câmara Municipal e do Procurador-Geral citado


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