A Prefeitura de Morrinhos atravessa um daqueles momentos em que a legalidade formal parece ter sido esticada até o limite para atender a uma conveniência política específica. No centro do episódio está a nomeação de Vinícius Nunes da Silva para o cargo de Procurador-Geral do Município, formalizada pelo Decreto nº 243, de 16 de janeiro de 2025, assinado pelo prefeito Maycllyn Max Carreiro Ribeiro.
À primeira vista, tudo parece “dentro da lei”. Mas basta organizar a linha do tempo — e ler com atenção as leis municipais — para perceber que o problema não está apenas no nome, mas no caminho construído para que esse nome coubesse no cargo.
A lei original: Procurador era cargo de carreira
A Lei Municipal nº 3.918/2023 estabelecia, de forma clara, que o cargo de Procurador-Geral do Município era privativo de membros efetivos da carreira, admitidos por concurso público. Esse modelo segue entendimento consolidado do STF: onde há procuradoria estruturada, a chefia jurídica deve ser exercida por servidor de carreira, como forma de preservar independência técnica e institucional.
Ou seja: o desenho original não comportava nomeação política externa.
A “curva” legislativa: quando a exceção vira regra
Mais do que isso:
a lei garante que, após nomeado, o ocupante do cargo permanece até exoneração, independentemente de qualquer situação posterior.
Na prática, a exceção virou atalho permanente.
É aqui que surge a pergunta que ecoa nos bastidores políticos de Morrinhos:
👉 o desinteresse foi real — ou apenas o argumento necessário para dobrar a lei?
O nome escolhido e o conflito que a lei não resolve
O nome beneficiado pela nova arquitetura legal é Vinícius Nunes da Silva, advogado regularmente inscrito na OAB-GO, sem antecedentes criminais — fato comprovado por certidão judicial.
Mas a questão central não é criminal.
É ética, administrativa e institucional.
Vinícius Nunes é filho de empresário ligado a empresas historicamente fornecedoras da Prefeitura de Morrinhos, especialmente no ramo alimentício — contratos que, segundo apuração preliminar, movimentam cifras milionárias ao longo dos anos, chegando à casa de milhões por exercício.
E aqui surge o ponto mais sensível:
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licitações envolvendo esse grupo empresarial foram homologadas após Vinícius já estar no cargo de Procurador-Geral.Mesmo que ele não tenha assinado diretamente cada ato, a Procuradoria é o órgão máximo de controle jurídico da administração, responsável por pareceres, orientações, blindagens e validações.
A pergunta não é se houve assinatura.
A pergunta é: é razoável que o guardião jurídico do município seja filho de um dos maiores fornecedores da própria prefeitura?
A nomeação de Vinícius Nunes da Silva para o cargo de Procurador-Geral do Município de Morrinhos não é apenas juridicamente questionável pelo caminho legislativo tortuoso que a viabilizou. Ela esbarra em algo ainda mais sensível: o vínculo direto com um dos maiores fornecedores da Prefeitura.
O pai do procurador, Lucimario Fernandes da Silva, é sócio da empresa BEKIM LANCHES E FRIOS LTDA – EPP
CNPJ: 05.945.390/0001-96
tradicional fornecedora de carnes para o município, com contratos milionários ao longo dos anos. Trata-se de uma empresa conhecida nos bastidores da administração como presença constante em licitações, especialmente no fornecimento de proteína animal para escolas, hospitais e programas públicos.
O ponto central — e que exige apuração profunda — é que licitações envolvendo a empresa da família ocorreram após Vinícius Nunes já estar no núcleo duro do governo, ocupando cargo de assessor especial e, posteriormente, de Procurador-Geral. Ou seja: o responsável por zelar pela legalidade dos atos administrativos passou a ocupar o cargo máximo da Procuradoria enquanto o negócio da própria família mantinha relação contratual com o município.
Não se trata de afirmar ilegalidade automática. Trata-se de algo mais grave do ponto de vista institucional: conflito de interesses objetivo, que exige, no mínimo, afastamento formal, declaração de impedimento e transparência absoluta — nada disso veio a público.
A situação se agrava quando se observa que a Prefeitura alterou a legislação municipal para permitir a nomeação de um procurador não concursado, abrindo exceção sob o argumento de “desinteresse” dos membros de carreira. A lei foi moldada, o cargo foi ocupado e, na sequência, contratos continuaram fluindo.
O roteiro é conhecido. Caldas Novas caiu exatamente nessa armadilha: mudança de regra para acomodar aliado, fornecedor da família orbitando contratos públicos e, depois, investigação. Morrinhos parece ter seguido o mesmo manual.
Aqui, a pergunta que precisa ser respondida não é retórica — é jurídica e moral:
👉 Como garantir a independência da Procuradoria quando o procurador está ligado por laços diretos a fornecedores do próprio município que ele deveria fiscalizar?
O silêncio institucional não elimina o problema. Apenas o adia.
E, como a história recente mostra, problemas assim não costumam prescrever — explodem.
Legalidade não é sinônimo de legitimidade
A gestão pode alegar que:
- a lei foi aprovada pela Câmara;
- o decreto é formalmente válido;
- não há condenações criminais;
- os processos licitatórios seguiram ritos.
Tudo isso pode até ser formalmente verdadeiro.
Mas o caso expõe algo mais profundo:
📌 a transformação da lei em instrumento de acomodação política,
📌 a fragilização da autonomia da Procuradoria,
📌 e a erosão da confiança pública no controle jurídico do Executivo.
Quando a lei precisa ser alterada antes da nomeação, quando o nome surge antes da exceção, e quando os contratos aparecem depois, o problema deixa de ser técnico — e passa a ser político e moral.
Um filme já visto — e que costuma terminar mal
Casos semelhantes já ruíram em outros municípios goianos. O roteiro é conhecido:
- mudança legal sob medida;
- nomeação politicamente conveniente;
- silêncio institucional;
- contratos cruzados;
- e, por fim, questionamentos do Ministério Público.
Em Morrinhos, o assunto pode até ter sido abafado no início. Mas, como costuma acontecer, o tempo transforma atalhos em provas documentais.
A pergunta agora não é se o caso vai evoluir.
É quando — e em qual instância.
Este espaço permanece aberto para manifestação da Prefeitura de Morrinhos, da Câmara Municipal e do Procurador-Geral citado










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