terça-feira, 16 de dezembro de 2025

O Duto Oculto da Fraude em Senador Canedo

Dutos clandestinos e a “rota invisível” do combustível: o que o MPGO encontrou em Senador Canedo e por que esse caso pode revelar uma fraude maior


Operação no Distrito Agroindustrial mira ligação subterrânea entre terminais, atravessando via pública, sem licença ambiental estadual; força-tarefa interditou instalações e abriu uma investigação que pode alcançar da esfera ambiental ao coração do controle fiscal de combustíveis


Na manhã desta segunda-feira (15), uma força-tarefa coordenada pelo Ministério Público de Goiás (MPGO) deflagrou, no Distrito Agroindustrial de Senador Canedo (Região Metropolitana de Goiânia), uma operação que, na prática, expôs o que o setor teme e o contribuinte paga: a possibilidade de existir uma “rota paralela” para transferência de combustíveis, por baixo do asfalto, fora do ritual de controles que normalmente acompanha cada litro que circula legalmente no país.  


A investigação — ainda em fase inicial — apura a existência de dutos subterrâneos clandestinos que teriam sido usados para transferência direta de combustíveis entre empreendimentos ligados ao mesmo grupo econômico, incluindo estruturas atribuídas à Phoenix/Fênix e à Dinâmica Terminais de Combustíveis (DTC), com trechos atravessando via pública e sem a devida autorização/regularidade ambiental estadual apontada na fiscalização.  


O que a fiscalização encontrou (e por que isso é tão grave)


Segundo os relatos publicados a partir de informações e imagens colhidas durante a ação, os dutos teriam sido instalados para permitir a movimentação de produtos como etanol, gasolina e diferentes tipos de diesel, com a suspeita de que a conexão subterrânea viabilizaria a transferência contínua entre estruturas sem o mesmo nível de rastreabilidade do transporte convencional (por caminhões/rotas documentadas).  


Em paralelo, a operação resultou na interdição de terminais no município, após verificação de irregularidades nas instalações e na documentação ambiental, conforme comunicados públicos sobre a ação integrada que envolveu órgãos federais, estaduais e municipais.  


Aqui, o ponto não é apenas “obra irregular”. Um duto clandestino, em área sensível, é um atalho logístico que pode significar:

Risco ambiental e urbano (produto inflamável, subterrâneo, com potencial de vazamento e impacto difuso);

Burla de condicionantes de licenças (operar além do permitido ou por rotas não autorizadas);

Vantagem econômica indevida (redução de custo logístico, aumento de margem e distorção concorrencial);

E, no limite, um cenário compatível com fraude — inclusive tributária — dependendo do que a apuração revelar sobre volumes, origem, destino e registros.  


O “elo” que chama atenção: Condomínio Centro-Oeste e a porta de entrada autorizada


Um trecho especialmente sensível, citado em cobertura local, é o seguinte: a força-tarefa teria identificado que o Condomínio Centro-Oeste, descrito como autorizado a receber combustível diretamente da Transpetro (subsidiária da Petrobras), teria sido ligado a uma das empresas investigadas por um ramal clandestino construído por outra empresa do mesmo grupo.  


Se confirmado, isso muda o tamanho político e institucional do caso, porque desloca a discussão da “engenharia interna” de um terminal para a suspeita de aproveitamento irregular de uma estrutura autorizada — e esse tipo de conexão, por si, exige respostas duras: quem autorizou obra, quem sabia, quem se beneficiou, e qual foi o papel real de cada agente privado na cadeia.


Quem participou da operação e o que isso sinaliza


A composição da força-tarefa é outro indicativo de gravidade: a atuação integrada mencionada envolve MPGO, ANP, Polícia Civil, órgãos municipais de meio ambiente e outros entes de fiscalização e emergência, com narrativa pública de ação voltada a irregularidades em instalações e documentação ambiental e a coibir transporte irregular de inflamáveis.  


Quando ANP entra junto, não é só “meio ambiente”: é também regulação do mercado, segurança operacional e conformidade da cadeia — e isso costuma produzir desdobramentos administrativos pesados, além dos judiciais.


A pergunta que ninguém quer responder: dá para isso existir sem blindagem?


Combustíveis não são mercadoria comum. A saída, o estoque e a circulação são acompanhados por camadas de controle (fiscal, regulatório e operacional). Por isso, a existência de uma “rota subterrânea” clandestina — se provada — impõe uma pergunta incômoda: como esse tipo de estrutura funcionaria por tempo suficiente para valer o investimento, sem acender alarmes institucionais?


Essa pergunta não acusa ninguém automaticamente. Mas ela orienta o que deve ser cobrado, de forma objetiva:

1. Cronologia: há quanto tempo o duto existe?

2. Volume: quanto combustível passou por ali?

3. Licenças: quais licenças existiam, quais faltavam e quais foram “interpretadas” como suficientes?

4. Rastro documental: que documentos (notas, registros de medição, relatórios) correspondem ao fluxo físico?

5. Benefício econômico: quem economizou, quem ganhou mercado, quem ampliou capacidade de operação?


Se a apuração mostrar que houve transferência relevante e reiterada, a discussão inevitavelmente deixa de ser “irregularidade ambiental” e passa a tocar em estrutura de fraude, porque a clandestinidade, nesse setor, geralmente é meio — não fim.


O que as empresas dizem (e o que precisa ser confrontado)


Coberturas de imprensa registraram posicionamentos no sentido de que os dutos fariam parte de estruturas logísticas e que haveria cooperação/regularização em andamento, ao menos no que foi reportado por veículos que ouviram as empresas.  


Esse é exatamente o ponto que precisa ser confrontado tecnicamente: se era “logística regular”, por que a fiscalização sustenta a suspeita de clandestinidade e irregularidade ambiental? A resposta não está no argumento — está no papel, na licença, no traçado e na autorização formal do que atravessa área pública.


O que vem agora: investigação deve se expandir


O MPGO noticiou a interdição decorrente da operação de fiscalização coordenada no distrito, e esse tipo de procedimento normalmente se desdobra em coleta de documentos, perícias, oitiva de responsáveis, e cruzamentos com dados regulatórios e administrativos.  


Em outras palavras: o caso não termina com lacre. Ele começa no lacre.


E, se a hipótese de uma rede subterrânea clandestina se confirmar, Senador Canedo pode estar diante de algo maior do que um “atalho” logístico: pode ser a anatomia de um modelo — o tipo de engenharia que, quando aparece, raramente está sozinho.

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