Sementes, Aviões e Poder: o império empresarial que orbita o agro, o capital chinês e a política em Goiás
Quando nomes, empresas e interesses estratégicos se cruzam longe dos holofotes
Uma joint venture anunciada de forma discreta pela Revista Cultivar, em fevereiro de 2024, revela muito mais do que um simples negócio no setor de sementes. Ela expõe uma teia empresarial sofisticada, com ramificações no agronegócio, no mercado imobiliário, na aviação executiva e no campo político goiano.
O acordo envolve a LongPing High-Tech, empresa chinesa controlada pela estatal CITIC Group, e a Cereal Ouro Agropecuária, pertencente à família Schwening, em Rio Verde (GO). Pelo contrato divulgado, a nova empresa terá 90% do capital sob controle chinês e 10% brasileiro, com atuação direta sobre sementes de soja — um setor considerado estratégico para a soberania alimentar.
Até aqui, tudo dentro da legalidade. O problema começa quando se observa quem está ao redor desse negócio.
Sarah Martins do Vale: um nome que aparece em múltiplos setores
Entre os nomes ligados à Cereal Ouro está Sarah Martins do Vale, empresária que figura como sócia — atual ou passada — em ao menos dez empresas, quase todas ativas, segundo dados públicos de CNPJ e quadro societário.
As empresas se concentram majoritariamente em:
- holdings patrimoniais,
- SPEs imobiliárias,
- administração de bens,
- e, de forma sensível, locação de aeronaves sem tripulação.
Entre elas, destaca-se a Haco Parceria Aeronáutica Ltda, sediada em Rio Verde, cujo objeto social é exatamente a locação de aeronaves executivas, modelo amplamente utilizado para gestão patrimonial aérea no Brasil.
Não há ilegalidade nisso. Mas o contexto nacional exige cautela.
O pano de fundo: aviação executiva sob lupa nacional
Nos últimos anos, o setor de aviação executiva passou a ser alvo de investigações da Polícia Federal, especialmente em operações que apuram:
- uso de empresas de fachada,
- ocultação de patrimônio,
- interposição de pessoas,
- e lavagem de dinheiro por meio de aeronaves registradas em nome de terceiros
Dentro desse cenário, surgiram menções públicas envolvendo o nome do presidente nacional do União Brasil, Antônio Rueda, após depoimento de piloto à PF.
⚠️ Ressalte-se: Rueda nega as acusações, não é réu, não responde formalmente por propriedade de aeronaves e afirma nunca ter comprado jatos.
O ponto central não é acusar indivíduos, mas registrar que o setor é sensível e exige transparência máxima.
O fator político: filha de ex-prefeito e bastidores eleitorais
Sarah Martins do Vale é filha do ex-prefeito de Rio Verde, Paulo do Vale, figura central da política goiana nos últimos anos. Paulo do Vale:
- comandou uma das cidades mais ricas do agro brasileiro,
- construiu forte influência regional,
- e é cotado nos bastidores políticos como possível nome para composições majoritárias em Goiás.
Não há anúncio oficial de candidatura. Mas o peso político é inegável.
O que chama atenção — e precisa ser explicado
Nenhuma das informações acima, isoladamente, configura irregularidade.
O que chama atenção é a sobreposição de fatores estratégicos:
✔ capital estatal chinês no controle de sementes;
✔ núcleo empresarial familiar com múltiplas holdings;
✔ empresa de aviação executiva no mesmo grupo;
✔ ligação direta com ex-prefeito influente;
✔ e um ambiente nacional de investigações sensíveis envolvendo aeronaves.
Tudo isso no mesmo raio de influência.
Perguntas legítimas que ficam no ar
O jornalismo sério não acusa — pergunta:
- Qual o papel real da Haco Parceria Aeronáutica dentro do grupo?
- Quantas aeronaves estão vinculadas à empresa?
- Quem são os usuários finais dessas aeronaves?
- Há cruzamento entre interesses empresariais e políticos?
- A joint venture com a LongPing possui mecanismos de compliance compatíveis com a sensibilidade do setor?
Até o momento, essas respostas não estão disponíveis ao público.
Opinião
Quando sementes, aviões, capital estrangeiro e poder político passam a orbitar o mesmo núcleo empresarial, o debate deixa de ser privado e se torna de interesse público.
Transparência não é acusação.
Silêncio, sim, é risco.
Em um estado onde o agro move bilhões e define rumos políticos, olhar para essas conexões não é perseguição — é dever jornalístico.
O futuro do campo, da economia e da política não pode voar em céu fechado.

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