🟥 A Fábrica de Atas de Fazenda Nova: MEIs de Roupas e Transporte Vencem Pregão de R$ 547 mil para “Carro de Som”
No coração de um município pequeno, onde cada real deveria ser tratado como recurso sagrado, a Prefeitura de Fazenda Nova conseguiu transformar um simples serviço de propaganda volante em um contrato de meio milhão de reais. E, como sempre, o diabo mora nos detalhes — ou melhor, nos CNPJs dos vencedores.
O Pregão Presencial nº 14/2025, no valor previsto de R$ 547.866,67, foi aberto para contratar serviços de gravação e veiculação de propaganda volante. Um serviço básico: carro de som, motorista, gravação, combustível. Nada que justificasse um orçamento tão desproporcional.
Mas o que emerge da análise dos contratos, do edital e das empresas vencedoras é um esquema tecnicamente indefensável e politicamente suspeito, que segue um padrão conhecido em Goiás: a fábrica de atas — quando a licitação é montada para gerar um “super-registro” de preços, inflado artificialmente, pronto para ser aderido por outros municípios sem nova concorrência. Um negócio que nasce em um município pequeno, mas que rende verdadeiras fortunas quando exportado via carona.
E em Fazenda Nova, os indícios estão por todos os lados.
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🟥 Os Vencedores Mirabolantes: Roupas, Transporte e… Mini-Trio?
Três empresas foram habilitadas e agraciadas com lotes gigantescos do contratão de propaganda volante:
1️⃣ Valdirene Moreira Pires Santos – CNPJ 07.206.340/0001-12
Atividade principal: comércio varejista de roupas.
Capital social: R$ 20 mil.
Natureza jurídica: MEI.
Ou seja: uma loja de roupas ganhou contrato para operar carro de som.
2️⃣ Jaciara Parreira dos Santos – CNPJ 13.227.538/0001-85
Atividade principal: transporte rodoviário de cargas.
Nada relacionado a comunicação, sonorização ou publicidade.
3️⃣ Delcio Pereira da Silva – CNPJ 40.601.369/0001-74
Atividade principal: transporte de cargas.
Também MEI, também capital social de R$ 20 mil.
E o mais estarrecedor: todos eles foram contratados para prestar um serviço que exige:
• Caminhonete adaptada para mini-trio
• Equipamentos de amplificação sonora
• Gravação profissional
• Sonoplasta
• Licenças específicas
• Estrutura operacional diária
• Motorista capacitado
• Manutenção constante
Nada, absolutamente nada nos históricos das empresas indica que elas possuam essa estrutura. São MEIs sem lastro técnico, transformados magicamente em “empresas de propaganda volante” pelo simples desejo da prefeitura.
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🟥 O Edital Que Se Multiplica: Mil Unidades Aqui, Mil Ali, 600 Acolá
O que chama atenção é o volume absurdo de itens contratados — e como eles são replicados mecanicamente entre secretarias:
• 1.000 unidades
• 1.000 unidades
• 600 unidades
• 500 unidades
• 300 unidades
• 300 unidades
E, pasme: tudo com as mesmas descrições, os mesmos valores unitários e o mesmo serviço.
Isso não é licitação.
Isso não é demanda real.
Isso é montagem de ata.
O objetivo é claro: inflar artificialmente a demanda municipal, multiplicar itens que nunca serão executados e, assim, criar uma ATA GIGANTE, pronta para ser aderida por outros municípios — aqueles que preferem pular etapas e “pegar carona” num registro pronto.
O mecanismo é simples e antigo:
não importa se Fazenda Nova jamais executará 2.000 prestações de carro de som.
O valor registrado é o que seduz as caronas.
E quem paga a conta?
O contribuinte, que financia licitações feitas para tudo, menos para o interesse público.
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🟥 O Delcio no Edital: 1.100 Execuções para um MEI de Carga
Ao analisar a parte específica adjudicada ao Delcio Pereira da Silva, encontramos:
• 600 unidades de mini-trio
• 500 unidades
• outro bloco idêntico
Ou seja: pelo menos 1.100 execuções anuais.
Informe-se: são três execuções por dia útil, todos os dias, o ano inteiro — apenas para este MEI.
E isso sem contar as unidades atribuídas às outras MEIs.
Quer dizer: nem se a cidade vivesse numa eterna micareta, haveria demanda para tamanha frota sonora.
A única explicação lógica é uma: a ata não foi feita para Fazenda Nova. Foi feita para ser revendida.
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🟥 Incapacidade Técnica e Falha Grave na Habilitação
Com base na Lei 14.133/21, uma empresa só pode ser habilitada se demonstrar:
• Capacidade técnica
• Pertinência do objeto social
• Documentação mínima compatível com o serviço
• Estrutura operacional compatível com a execução
Nenhuma das três empresas apresenta sequer CNAE compatível.
Nenhuma tem histórico de prestação de serviço.
Nenhuma possui capital social suficiente para operar mini-trio.
Nenhuma tem estrutura visível de equipamento ou pessoal.
Isso significa:
➡ Falha grave da comissão de licitação.
➡ Fragilidade no processo de habilitação.
➡ Possível direcionamento.
➡ Vício insanável no procedimento.
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🟥 Improvável? Não. Ilegal? Potencialmente. Imoral? Com certeza.
A contratação de MEIs de roupas e de transporte para realizar o maior contrato de propaganda volante da história da cidade é um escárnio administrativo. Não há defesa técnica, jurídica ou operacional que sustente essa “habilitação”.
O contrato é uma caricatura do que se tornou a gestão pública em muitos pequenos municípios: licitações são tratadas como instrumentos de distribuição política, não de eficiência pública.
A fabricação de atas é uma prática tão antiga quanto obscura — e Fazenda Nova, ao que tudo indica, aderiu ao modelo com zelo.
Se os órgãos de controle decidirem investigar, encontrarão:
• Superdimensionamento
• Falta de pertinência técnica
• Habilitação irregular
• Divisão artificial de lotes
• Possível conluio
• Indícios de fraude à licitação
• Violação aos princípios da eficiência, moralidade e economicidade
Não é pouca coisa.
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🟥 Opinião – Onde Não Há Critério, Sobra Ousadia
O que a Prefeitura de Fazenda Nova fez com este pregão não é apenas um erro técnico. É um sintoma. Um sintoma de que a administração pública local se acostumou a operar sem medo, sem limite e sem transparência. MEIs são transformados em prestadores milionários. Editais são multiplicados como se o município fosse uma metrópole. Serviços simples são convertidos em contratos robustos e superdimensionados.
E enquanto isso, o cidadão?
Este assiste — calado e impotente — ao festival de improviso, ousadia e falta de zelo que toma conta da coisa pública.
Alguém, em algum lugar, acreditou que ninguém iria perceber.
Mas agora está visto. Está exposto. E cobra resposta.
Se este pregão não for revisado, anulado e investigado, fica o recado: em Fazenda Nova, a propaganda volante não anda de caminhonete. Anda de blindado administrativo.

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