terça-feira, 4 de novembro de 2025

Narcotráfico não é terrorismo? O Brasil na contramão do mundo

 

Ao rejeitar a equiparação de facções criminosas a grupos terroristas, o governo Lula abre um debate delicado entre soberania, diplomacia e impunidade

O posicionamento do governo federal contra a equiparação do narcotráfico ao terrorismo acendeu um dos debates mais complexos e sensíveis da segurança pública brasileira. O tema divide juristas, policiais, diplomatas e parlamentares, sobretudo após a megaoperação no Rio de Janeiro que revelou a dimensão quase militar das facções Comando Vermelho e PCC — grupos que hoje controlam territórios, arrecadam bilhões e impõem regimes de medo.

Segundo o Ministério da Justiça, classificar facções como organizações terroristas poderia trazer “impactos econômicos e diplomáticos”, inclusive elevar o risco-país e dificultar o acesso do Brasil a crédito internacional. O argumento técnico faz sentido sob a ótica financeira, mas soa incompleto diante da gravidade do problema interno. Afinal, o país que teme perder nota de crédito é o mesmo onde 117 pessoas morreram em uma só operação policial — resultado direto da escalada bélica do narcotráfico.


O medo dos bombardeios e o argumento da soberania

O governo também aponta o risco de o Brasil sofrer intervenções externas, citando o caso da Venezuela, onde os Estados Unidos realizaram ataques sob o pretexto de combater o “narcoterrorismo”.
Há fundamento jurídico nesse temor, mas também há uma certa ironia histórica: o Brasil, potência agrícola e detentor da maior biodiversidade do planeta, se recusa a chamar de terrorista quem domina bairros, impõe toques de recolher e executa cidadãos em praça pública.

O secretário nacional Marivaldo Pereira afirmou que “terrorismo tem conotação política, religiosa ou étnica, e não busca lucro, mas poder”. O argumento jurídico é formalmente correto. Mas ignora que o crime organizado brasileiro já é político, ao se infiltrar em instituições, financiar campanhas e controlar comunidades inteiras — o poder paralelo mais forte desde o cangaço.


O cálculo político por trás da decisão

Nos bastidores, o governo teme que a equiparação a terrorismo reforce o discurso da direita e militarize o combate ao crime, dando brecha para políticas repressivas ou intervenções policiais mais duras.
Mas essa estratégia defensiva pode se tornar um tiro no pé político. Ao fugir da pauta, o governo Lula passa a impressão de complacência institucional com facções que já atuam como Estados paralelos.

Enquanto o Planalto discute terminologias, o tráfico controla portos, fronteiras, rotas aéreas, aeroportos e redes financeiras, movimentando bilhões em lavagem de dinheiro, como revelado na Operação Freedom (BA) e na recente Operação Rota Caipira (GO).
O resultado é um país onde o crime se globalizou, mas o Estado ainda raciocina com fronteiras de papel.


O que o mundo está fazendo — e o que o Brasil evita fazer

Países como México, Colômbia e Peru já reconhecem oficialmente o narcotráfico como ameaça terrorista e de segurança nacional, permitindo medidas mais duras: interceptações internacionais, confisco de bens e cooperação militar estrangeira.
O Brasil, ao contrário, prefere preservar uma imagem diplomática de neutralidade, temendo que a palavra “terrorismo” manche sua reputação econômica.

Mas reputação não se sustenta com cemitérios cheios e contas fantasmas cheias de dinheiro sujo. O país que quer ser protagonista global precisa encarar o óbvio: o tráfico brasileiro é uma força paramilitar com fins políticos e econômicos.


Conclusão: o dilema da omissão

O debate não é sobre nomenclatura — é sobre coragem política.
Ao recusar a equiparação, o governo Lula mantém uma postura juridicamente cautelosa, mas eticamente desconectada da realidade.
O narcotráfico não busca apenas lucro: ele compra silêncio, corrompe instituições e desafia o Estado.
Se isso não é terrorismo social, o que mais seria?

Enquanto Brasília se preocupa com a nota de crédito internacional, o Brasil real — o das favelas sitiadas, dos laboratórios de cocaína em Goiás e das rotas de tráfico na Bahia — segue pagando juros em sangue.

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