Na Fórmula 1, existe uma estratégia de ultrapassagem bem famosa conhecida como “pegar o vácuo” do competidor à frente. Essa tática ajuda a reduzir o atrito do ar, aumentando a velocidade de quem vem logo atrás. Os chineses, que já produzem mais unicórnios do que os americanos, souberam como ninguém usar esse conceito de “vácuo”. No início, apenas copiavam. Com o tempo aprenderam a fazer bem feito e hoje investem todas as forças na inovação em larga escala.
Acabo de voltar da minha segunda viagem à China em menos de um ano. Dessa experiência, percebo sinais claros de que nossos empreendedores estão em busca desse “vácuo” deixado pela mais nova potência mundial. Pelos sinais que observo, posso afirmar que estamos próximos do ângulo perfeito.
Chegou, portanto, a nossa vez de usar a mesma estratégia com os chineses, ganhando velocidade e, em algum momento, deixando também os americanos para trás.
Quer entender por quê? Compartilho aqui o que observei nessa última viagem, ao lado de muitos empreendedores brasileiros em missão promovida pela Endeavor.
A nossa síndrome de vira-lata foi exterminada
Algo mudou nos empreendedores brasileiros. Em 2013, quando fiz minha primeira viagem ao Vale do Silício, voltei com um sentimento desastroso. Nós olhávamos para gigantes como Google, Facebook e Amazon como se fossem maravilhosos parques da Disney.
“Isso é simplesmente incrível, mas não é para nós.”, era o que pensávamos. A crença comum era a de que não teríamos condições de construir empresas dessa dimensão a partir do Brasil. Por consequência, não éramos capazes de aprender algo com essas empresas porque acreditávamos que aquilo não era para nós.
Corta para 2019. Nossa viagem para a China foi completamente diferente. Os empreendedores anotavam tudo, queriam entender os comos e os porquês e discutiam com convicção os “de/para” o Brasil. Evoluímos muito a nossa mentalidade.
Estratégia polvo, e não monoproduto
Uma única coisa e nada mais. Esse foi o mantra do foco que aprendemos ao longo dos últimos anos, disseminado pela cultura empreendedora americana. Lembro de ouvir sobre isso com o fundador do Twitter há alguns anos.
A China nos ensina o contrário. Lá, o foco é não ter foco.
A prioridade é ter o usuário conectado a você para, a partir daí, criar dezenas ou centenas de produtos que te ajudem a conhecer ainda mais as pessoas a partir dos dados de comportamento. O Alibaba, por exemplo, conhecido por ser o maior marketplace do mundo, está também se transformando em um dos maiores produtores cinematográficos do planeta. Os dados gerados sobre os gostos e preferências dos consumidores chineses são insumos para a criação de filmes que já nascem com alto potencial de serem blockbusters.
O modelo de negócios vale mais que o modelo de gestão
O uso de metodologia ágil, a divisão do time por squads ou a implementação de OKRs (Objectives and key results) são apenas modos de gerir um bom modelo de negócios. Mas, na prática, o que importa de fato é a construção de um negócio capaz de resolver problemas reais.
Andando pelas ruas de Xangai, é possível observar isso. O pagamento mobile via QR Code, uma espécie de código de barras, é tão disseminado que não se usa mais dinheiro ou cartão de crédito. O celular paga qualquer coisa, inclusive, esmolas para moradores de rua que andam com um crachá no pescoço e seu próprio QR Code.
Essa mudança de comportamento nasceu de uma dor que a nação inteira compartilhava: a maior parte dos chineses não tinha acesso a cartão de crédito e, por isso, aderiu ao código que estava já conectado ao seu celular.
Para muitos, a transformação digital acontece somente pelo modelo de gestão, criando novos fluxos de trabalho para ganhar velocidade. Mas o verdadeiro desafio não é o como fazer, e sim o que será feito. Na China, é possível perceber que as maiores disrupções apontam para a resolução de grandes problemas, da porta para fora.
Quanto pior a crise, melhor
Quando enxergamos a história milenar da China, encontramos diversos momentos de ascensão do Império Chinês, antes mesmo de a Europa se formar. Porém, depois da Guerra do Ópio, o país enfrentou diversos fracassos como a invasão japonesa e a Guerra do Vietnã. Todas essas crises cooperaram na criação de um sentimento positivo de que a China precisa retomar a supremacia mundial, o que moveu milhões de pessoas a buscarem sucesso, usando como pilar central inovação.
No Brasil, recentemente, algo semelhante vem ocorrendo. Passamos pela pior crise de todos os tempos em 2014 e 2015 e o reflexo foi que exatamente nesse período nascem as empresas que logo à frente começam a virar os “unicórnios” nacionais. Na crise, brasileiros bem educados, com visões sofisticadas e que trabalhavam em multinacionais que estavam sofrendo, acabaram decidindo trabalhar ou fundar startups. Esse movimento, influenciado pela crise, ajudou a criar ciclo virtuoso de novas e grandes empresas, que está só começando no Brasil.
“Não importa se um gato é preto ou branco, contanto que ele cace ratos”
Essa frase é do famoso Deng Xiaoping, líder da China que iniciou a transformação no país de 1978 a 1992. Na prática, ele dizia: não importa se somos comunistas ou se seremos capitalistas, o que é importa é melhorar a vida dos chineses.
Noto esse pensamento também entre empreendedores de altíssimo nível no Brasil. Estamos no caminho certo, como diz Jorge Paulo Lemann “os empreendedores salvarão o Brasil”. Esqueça se o governo é de direita ou de esquerda, foque no seu empreendimento.
Para todos esses sinais se transformarem em mudança real que nos dê velocidade e ajude o Brasil a despontar como potência global, percebo que faltam duas coisas:
1. O core de tudo o que vimos na China começa nas salas das principais universidades do país, com pessoas brilhantes e muito capital de risco financiando projetos e empresas.
Eles aprenderam a escalar inovação via academia, algo que ainda não fizemos no Brasil. No momento em que acordarmos para isso, teremos mais empresas de impacto nascendo nas universidades, o que também contribui para que elas se fortaleçam, evoluindo mais rápido por conta do movimento de progresso e impacto na sociedade.
2. As empresas chinesas têm dono e, por isso, constroem empresas que visam o longo prazo, e não apenas focadas em aumentar seu valuation.
No Brasil, infelizmente, construímos um ecossistema empreendedor focado na próxima rodada de captação. Esse modelo vem construindo empresas sem “dono” no médio prazo, pois os fundadores em poucos anos viram minoritários no negócio, criando assim empresas de fundos, que logo querem recuperar os seus investimentos vendendo o negócio. Isso prejudica a visão de longo prazo das empresas, já que todos planejam uma saída rápida.
Dessa viagem até o outro lado do mundo, trago na bagagem muitas reflexões que já quero aplicar no dia a dia da Acesso Digital. Inspirado na velocidade dos chineses, pretendo:
1. Aproximar-me dos principais centros universitários de ponta no Brasil, criando laços fortes e buscando os melhores acadêmicos para o mundo empresarial;
2. Acelerar a estratégia de “polvo” com a criação de novos produtos para facilitar a vida dos brasileiros por meio do fortalecimento de uma Identidade Digital única e segura;
3. Fortalecer a nossa cultura para resolver grandes problemas da nação com tecnologia, independentemente da forma de fazer - usando squads ou metodologias ágeis;
4. Manter a estratégia de focar em uma Acesso Digital de dono, sem passar o controle para investidores, pensando sempre que as decisões tomadas serão de longo prazo, e não apenas com foco financeiro.
Volto otimista. Mais de 1 mil empreendedores e executivos brasileiros foram visitar empresas chinesas nos últimos anos para aprender com elas. Estamos fazendo como eles: copiando para aprender - e depois inovar. Aprendendo com os melhores, nós veremos em breve os frutos desse mergulho cultural.
Diego Martins é fundador e CEO da Acesso Digital*
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