sábado, 20 de dezembro de 2025

O Duto Oculto do Combustível: O Petrolão de Ronaldo Caiado

O Duto Oculto do Combustível: Senador Canedo pode estar no centro de uma fraude muito maior

Denúncia de funcionário expôs dutos clandestinos; indícios apontam conivência institucional e levantam suspeita de roubo sistemático de combustível


O que começou como uma apuração ambiental no Distrito Agroindustrial de Senador Canedo, em Goiás, pode se revelar apenas a ponta de um iceberg de proporções nacionais. A descoberta de dutos subterrâneos clandestinos para transferência de combustíveis, revelada após operação coordenada pelo Ministério Público de Goiás (MPGO), levanta agora suspeitas que extrapolam a esfera ambiental e alcançam o núcleo do controle fiscal, regulatório e patrimonial do setor de combustíveis no Brasil.


Quando o crime é bilionário, o silêncio do poder deixa de ser coincidência



O escândalo dos dutos clandestinos de combustíveis em Senador Canedo não pode ser tratado como um episódio isolado, tampouco como uma mera irregularidade ambiental. Pela escala, complexidade logística e potencial financeiro envolvidos, trata-se de um crime de proporções bilionárias, comparável — em impacto econômico — a grandes esquemas históricos do setor petrolífero nacional.


E é exatamente por isso que o caso projeta uma sombra incômoda sobre a administração do governador Ronaldo Caiado.


Estruturas subterrâneas capazes de transferir grandes volumes de combustíveis, operando de forma continuada, fora dos sistemas formais de controle fiscal, não surgem nem sobrevivem no vácuo institucional. Elas exigem tempo, planejamento técnico, fluxo financeiro elevado e, sobretudo, ausência deliberada de fiscalização efetiva.


Nesse contexto, cresce o questionamento inevitável:

como um esquema dessa magnitude poderia funcionar sob o atual governo sem o conhecimento — ou a participação — de agentes estratégicos da máquina estadual?


Não se trata de acusação direta, mas de uma constatação lógica: crimes dessa natureza não atravessam anos sem deixar rastros na Secretaria da Economia. Cada litro de combustível movimentado gera reflexos tributários, notas fiscais, créditos, débitos, cruzamentos eletrônicos e alertas automáticos. Ignorar isso é sugerir que todo o sistema de controle falhou simultaneamente — ou que alguém escolheu não enxergar.


A recorrente postura do governo estadual diante de escândalos complexos, marcada por silêncio, minimização e ausência de respostas públicas contundentes, volta a se repetir. Mais uma vez, a administração age como se nada estivesse acontecendo, mesmo diante de indícios robustos de um esquema que só se sustenta com conivência institucional ou omissão qualificada.


Quando o crime alcança cifras bilionárias, a omissão deixa de ser falha administrativa e passa a ser elemento central da investigação.


E é sob essa luz que o caso Senador Canedo precisa ser analisado: não apenas como um problema local ou empresarial, mas como um teste direto à integridade do sistema de fiscalização econômica do Estado de Goiás durante o governo Caiado.


Porque, em crimes dessa escala, a pergunta mais importante raramente é quem construiu o duto —

mas quem permitiu que ele funcionasse.


Segundo informações apuradas, a investigação teve início a partir da denúncia formal de um funcionário, que decidiu romper o silêncio e apontar a existência de uma estrutura subterrânea irregular utilizada para movimentação de combustíveis fora dos meios convencionais de transporte e rastreamento. A partir daí, uma força-tarefa envolvendo MPGO, Agência Nacional do Petróleo (ANP), Polícia Civil e órgãos ambientais deflagrou fiscalização que resultou na interdição de terminais e na abertura de procedimentos investigativos.

Mas o que veio à tona levanta uma questão ainda mais grave: é praticamente impossível que uma estrutura desse porte tenha operado sem conhecimento — ou tolerância — de agentes públicos e institucionais.

Dutos clandestinos: muito além de uma infração ambiental

Os dutos identificados, segundo informações divulgadas a partir da operação, teriam sido instalados para permitir a transferência direta de produtos como etanol, gasolina e diferentes tipos de diesel entre empreendimentos ligados ao mesmo grupo econômico, incluindo estruturas atribuídas à Phoenix/Fênix e à Dinâmica Terminais de Combustíveis (DTC). Há relatos de que parte dessa tubulação atravessaria vias públicas, sem licença ambiental estadual válida.

Em um setor altamente regulado, onde cada litro movimentado deixa rastro fiscal, contábil e regulatório, a existência de uma “rota invisível” subterrânea não é apenas irregular — é estratégica.

Esse tipo de estrutura pode representar:

Risco ambiental elevado, com possibilidade de vazamentos subterrâneos de inflamáveis;

Burla deliberada de licenças e condicionantes ambientais;

Vantagem econômica indevida, ao reduzir custos logísticos e ampliar capacidade operacional;

E, no limite, indícios compatíveis com fraude estruturada, inclusive de natureza tributária e patrimonial.


A denúncia que mudou tudo — e o silêncio que cerca o resto

Um dado crucial diferencia esse caso de outros episódios de irregularidade administrativa: a investigação não começou por auditoria de rotina, mas por denúncia interna. Um funcionário resolveu falar.

Isso reforça a percepção de que o que foi descoberto pode ser apenas uma fração do que realmente existe. Dutos subterrâneos demandam projeto, obra, manutenção, testes e operação contínua. Não são improvisações. São investimentos de alto custo e longa duração.

E aqui surge a pergunta que incomoda autoridades e empresas:

como uma estrutura desse tipo funcionaria por tempo suficiente para se pagar sem que ninguém visse?

Indícios de conivência institucional

Fontes e elementos preliminares da apuração levantam suspeitas de que autoridades já tinham conhecimento da existência desses dutos. Se confirmada, essa informação altera radicalmente o enquadramento do caso.

Há indícios de possível conivência ou omissão envolvendo:

Órgãos ambientais do município de Senador Canedo;

Estruturas estaduais de fiscalização ambiental;

Órgãos fazendários e fiscais ligados à Secretaria da Economia;

Agentes responsáveis pelo controle da cadeia logística e fiscal de combustíveis.

Mais grave ainda: pela natureza do sistema, nenhuma transferência relevante de combustível ocorre sem interação com grandes players da cadeia, o que levanta questionamentos legítimos sobre o papel de agentes vinculados a empresas distribuidoras e operadoras, incluindo estruturas relacionadas à Transpetro e grandes marcas do setor, como a Shell — não como acusação direta, mas como necessidade objetiva de esclarecimento institucional.

A hipótese mais sensível: roubo de combustível

Investigadores não descartam — ainda como hipótese — que os dutos clandestinos possam esconder um crime ainda maior: o desvio ou roubo sistemático de combustível, com posterior inserção no mercado formal.

Se comprovado, o esquema deixaria de ser apenas uma fraude regulatória para se enquadrar como:

Crime contra a ordem econômica;

Crime contra a ordem tributária;

Possível organização criminosa, dependendo do grau de participação e da cadeia de comando.

Nesse cenário, o duto não seria o fim, mas o meio físico de uma engrenagem muito mais ampla.

Quando a ANP entra, o caso muda de nível

A participação da Agência Nacional do Petróleo não é simbólica. A ANP atua quando há risco sistêmico ao mercado, à segurança e à rastreabilidade da cadeia de combustíveis.

Historicamente, operações com esse perfil resultam em:

Multas milionárias;

Suspensão ou cassação de autorizações;

Encaminhamentos ao Ministério Público Federal;

E desdobramentos criminais de longo alcance.

O que vem agora

O MPGO já deixou claro que o procedimento não se encerra com o lacre das instalações. Pelo contrário: agora começam as fases mais sensíveis da apuração — perícias técnicas, análise documental, cruzamento de dados fiscais, rastreamento de volumes e oitivas de responsáveis.

Em outras palavras:

o caso começa exatamente onde a fiscalização terminou.

Se confirmadas as suspeitas, Senador Canedo pode estar no centro de um dos maiores escândalos logísticos do setor de combustíveis dos últimos anos, com reflexos que ultrapassam Goiás e alcançam o debate nacional sobre captura regulatória, fiscalização seletiva e blindagem institucional.

Porque, no Brasil, grandes esquemas raramente vêm à tona por completo de uma vez.

Quase sempre, o que aparece primeiro é só a ponta do iceberg.

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