Quando quem preside a eleição também disputa — e vence — o jogo
A eleição da Mesa Diretora da Câmara Municipal de Nerópolis, que deveria ser um dos atos mais formais e juridicamente seguros do Legislativo, transformou-se em um caso clássico de vício regimental, conflito de interesses e possível nulidade absoluta.
No centro da controvérsia está a vereadora Regina, presidente da comissão organizadora do processo eleitoral interno, que não apenas conduziu os trabalhos, como também figurou simultaneamente em duas chapas concorrentes — sendo que uma delas foi apresentada fora do prazo regimental e, ainda assim, declarada vencedora.
Os fatos não comportam relativização. Eles estão documentados e afrontam frontalmente o Regimento Interno da Casa.
O que diz o Regimento — e o que foi feito
O artigo 15, inciso I, do Regimento Interno da Câmara de Nerópolis é claro e taxativo:
“Os postulantes terão quinze minutos para apresentar à Mesa o pedido, por escrito, do registro de suas candidaturas, sendo vedado disputar mais de um cargo.”
Ou seja:
- O prazo é fatal: 15 minutos;
- A candidatura deve ser formal e escrita;
- O dispositivo veda condutas que comprometam a regularidade da disputa.
No caso concreto:
- Uma primeira chapa foi apresentada dentro do prazo, contendo o nome de Regina como secretária;
- Encerrado o prazo regimental, foi apresentada uma segunda chapa, fora do prazo legal;
- Essa segunda chapa também continha o nome de Regina;
- Regina presidiu a comissão organizadora, conduziu os trabalhos e validou o processo;
- A chapa fora do prazo foi declarada vencedora.
Chapa fora do prazo é juridicamente inexistente
Em direito administrativo e legislativo, prazo regimental não é sugestão — é norma vinculante.
Uma chapa apresentada fora do prazo previsto no art. 15, I, simplesmente não existe juridicamente. Sua aceitação configura:
- Violação direta ao princípio da legalidade;
- Afronta à segurança jurídica;
- Desrespeito à isonomia entre os vereadores.
A partir do momento em que a Mesa — ou a comissão organizadora — aceita candidatura intempestiva, todo o processo passa a estar contaminado por vício insanável.
Presidir e concorrer: o conflito de interesses explícito
Mais grave ainda é o conflito de interesses.
O Regimento atribui ao Presidente — e por extensão a quem preside os trabalhos — o dever de interpretar e fazer cumprir o Regimento (art. 20) .
Não há qualquer margem para que:
- A presidente da comissão concorra em chapas;
- Participe de mais de uma chapa;
- Conduza decisões que influenciem diretamente o próprio resultado eleitoral.
Aqui, a vereadora Regina:
- Foi organizadora;
- Foi candidata;
- Foi beneficiária direta do resultado.
Na prática, atuou como juíza e parte, situação vedada por qualquer noção mínima de imparcialidade administrativa.
Vício insanável e risco de nulidade
Quando o vício atinge:
- o prazo legal,
- a imparcialidade,
- e a lisura do procedimento,
não há convalidação possível.
Estamos diante de um vício insanável, capaz de:
- Invalidar a eleição da Mesa Diretora;
- Autorizar impugnação interna, via recurso ao Plenário;
- Fundamentar provocação do Ministério Público;
- Sustentar eventual controle judicial, caso a questão seja levada ao Judiciário.
A jurisprudência é firme: atos legislativos internos não estão acima da legalidade, especialmente quando violam o próprio regimento da Casa.
A pergunta que precisa ser respondida
Se o Regimento foi ignorado logo na eleição da Mesa, quem garante que ele será respeitado:
- nas votações,
- nas CPIs,
- nos julgamentos políticos,
- ou na fiscalização do Executivo?
A Câmara Municipal não pode funcionar sob a lógica do “vale tudo”. Regimento não é enfeite institucional — é lei interna, e sua violação deslegitima o poder.
Opinião
O caso de Nerópolis exige mais do que silêncio e acomodação política. Exige:
- Revisão imediata do processo;
- Publicização integral dos atos;
- Posicionamento formal da assessoria jurídica da Câmara.
Quando quem organiza a eleição também disputa — e vence — o cargo, o problema deixa de ser político e passa a ser jurídico.
E problema jurídico, cedo ou tarde, cobra seu preço.

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