Projeto foi aprovado em duas sessões extraordinárias no mesmo dia, sem debate público nem parecer jurídico
Espaço cedido
O projeto autoriza a Prefeitura de São Miguel do Araguaia-GO a conceder à empresa UNISMA – Faculdade São Miguel do Araguaia Ltda. o uso das salas de aula da Escola Municipal Faria, incluindo:
- Secretaria Administrativa,
- Diretoria,
- Laboratório de Informática,
- Instalações sanitárias,
- Sala de professores,
- Espaços de convivência e alimentação,
- Móveis e equipamentos necessários ao funcionamento da faculdade.
📍 Localização: Área pública municipal – Ruas 03, 04, 11 e 09, no Setor Maria Rita, matrícula nº 10.355 do registro imobiliário municipal.
⚖️
Forma da cessão
A cessão é formalizada por termo de permissão de uso, com as seguintes características:
- Caráter precário e gratuito (não há cobrança de aluguel ou contrapartida financeira).
- Pode ser revogada a qualquer tempo por ato do Poder Executivo, mediante justificativa de interesse público (Art. 11).
- A utilização será exclusivamente no período noturno, entre 18h e 23h, para não interferir nas aulas regulares da escola (Art. 3º, II).
👉 Na prática, isso significa que não se trata de uma doação, mas de uma cessão de uso precário de bem público — modalidade que não transfere propriedade, apenas permite uso temporário, podendo ser revogada.
💰 Contrapartidas da UNISMA
De acordo com os Artigos 3º e 10, a instituição deve:
- Zelar pela organização e conservação das salas (Art. 3º, I e 10);
- Indenizar o Município por eventuais danos ao bem público (Art. 3º, III);
- Manter a limpeza e conservação dos espaços cedidos;
- Ceder o uso de equipamentos pedagógicos durante o dia para alunos da rede pública municipal (Art. 3º, VIII e Art. 9º);
- Permitir fiscalização periódica da Prefeitura (Art. 3º, V);
- Assumir integralmente os encargos trabalhistas, tributários e patrimoniais decorrentes de suas atividades (Art. 8º).
🟢 Em tese, a única contrapartida direta é a manutenção e conservação do espaço — não há previsão de repasse financeiro, bolsas de estudo, ou contrapartida educacional formalizada em lei.
⏳ Tempo de duração
O Art. 6º fixa o prazo de 10 (dez) anos, contados da publicação da lei, podendo ser prorrogado por igual período.
O imóvel pode ser retomado pela Prefeitura a qualquer momento, nas hipóteses do Art. 7º, como:
- Descumprimento das condições legais;
- Encerramento das atividades da UNISMA;
- Utilização diversa da finalidade educacional;
- Construção de sede própria pela faculdade;
- Motivos de interesse público.
⚠️ Conclusão — Pontos críticos
- A cessão gratuita por 10 anos renováveis, mesmo sob a forma “precária”, configura vantagem expressiva a particular (instituição privada com fins lucrativos).
- Ausência de contrapartidas educacionais efetivas (como bolsas para estudantes locais, estágios, ou contrapartida social concreta).
- Conflito de interesse potencial, caso confirmada a informação de que um dos sócios da UNISMA é irmão do prefeito, o que pode caracterizar violação ao princípio da impessoalidade e ao art. 11 da Lei 8.429/1992 (improbidade administrativa por favorecimento).
- A tramitação em regime de urgência e aprovação em sessões extraordinárias no mesmo dia reforçam a necessidade de investigação do interesse público real e da adequação à Lei Orgânica Municipal.
As duas sessões extraordinárias foram convocadas exclusivamente para aprovar o projeto, sem tempo para análise detalhada, sem parecer educacional e sem qualquer audiência pública.
Segundo relatos de vereadores, o projeto chegou pronto para votação e foi aprovado de forma relâmpago, num procedimento visto por muitos como mera formalidade para legitimar um ato já decidido dentro do Executivo.
A forma como a matéria foi conduzida — duas sessões extraordinárias no mesmo dia — é apontada como indício de simulação de tramitação legislativa e tentativa de evitar questionamentos populares.
Moradores, professores e líderes comunitários expressaram indignação nas redes sociais, classificando a manobra como “o maior escândalo político da gestão”.
O que o projeto estabelece (fatos do próprio texto)
- Objeto: cessão de uso de salas de aula e dependências da Escola Municipal Faria (inclui secretaria, sanitários, laboratório de informática, sala de professores e área de convivência).
- Beneficiária: UNISMA – Faculdade São Miguel do Araguaia Ltda. (pessoa jurídica de direito privado).
- Regime: gratuito e “precário”, mas por prazo de 10 anos, prorrogável por mais 10.
- Horário: 18h às 23h (uso noturno).
- Encargos: manutenção/limpeza pela cessionária; publicação do termo no DOM; previsão de fiscalização; hipóteses de retomada do imóvel; e cláusulas de responsabilidade por danos.
- Tramitação: mensagem ao Presidente da Câmara pedindo “regime de urgência” e registro de que as duas sessões foram realizadas no mesmo dia.
Onde estão as fragilidades e irregularidades (com fundamentação)
1) Conflito de interesses e favorecimento familiar (nepotismo material)
Se confirmado que sócio da UNISMA é irmão do prefeito, há benefício direto a parente em ato de gestão patrimonial.- Base jurídica:
- CF/88, art. 37, caput (legalidade, impessoalidade, moralidade e finalidade pública).
- Lei 14.230/2021 (nova LIA) – arts. 9, 10 e 11: enriquecimento ilícito, dano ao erário e ofensa a princípios (mesmo sem dano quantificável).
- Súmula Vinculante 13 (STF) não trata de contratos/cessões, mas a jurisprudência vem rechaçando nepotismo “material” quando o ato favorece parente por meio de ajustes com o Poder Público, afrontando impessoalidade/moralidade.
- Tese: mesmo sendo “gratuita”, a cessão agrega valor econômico (uso exclusivo de escola equipada por até 20 anos), logo há vantagem indevida e quebra de isonomia.
2) Desvio de finalidade na política educacional
A Escola Municipal Faria é bem afetado à educação básica. Ceder uso exclusivo noturno a uma IES privada transforma a escola em campus noturno particular.- Base:
- CF/88, art. 205 e 206 (finalidade pública da educação).
- LDB (Lei 9.394/96) – dever de garantir padrões mínimos de qualidade e prioridade da rede pública; cessões que comprometam governança, segurança, limpeza, equipamentos, logística podem deteriorar o serviço público principal.
- Provas úteis: laudos/pareceres da Secretaria de Educação e do Conselho Municipal de Educação (se inexistentes, grave vício).
- Tese: sem estudo técnico educacional demonstrando inexistência de prejuízo e vantagens concretas à rede, há vício de finalidade.
3) “Gratuidade” por 10 + 10 anos = Renúncia de exploração patrimonial sem justificativa econômica
- A Administração abre mão de explorar economicamente um ativo valioso (salas, laboratórios, mobiliário, segurança, limpeza compartilhada) por até 20 anos.
- Base:
- CF/88, art. 70 (dever de boa gestão do patrimônio público).
- Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 14) – ainda que o dispositivo trate de renúncia de receita tributária, a boa prática e a jurisprudência dos Tribunais de Contas exigem estimativa de valor econômico do benefício e justificativa de interesse público predominante.
- Tese: sem avaliação patrimonial/valoração do uso e contrapartidas proporcionais, há lesão ao erário por vantagem gratuita desarrazoada.
4) Ausência de procedimento isonômico (falta de chamamento público)
- A escolha foi direta para uma IES específica.
- Base:
- Lei 14.133/2021, art. 5º – princípios: isonomia, seleção da proposta mais vantajosa, planejamento e transparência.
- Em cessões de uso de bens públicos, quando houver escassez do bem e vantagem econômica envolvida, os Tribunais de Contas exigem procedimento público de seleção (ex.: chamamento/concurso de projetos), ainda que gratuito, para evitar direcionamento.
- Tese: sem chamamento público aberto a todas as IES interessadas, há direcionamento e violação da impessoalidade.
5) Contradição lógica: “caráter precário” x “prazo de 10 anos prorrogável”
- Atos precários são revogáveis a qualquer tempo e, por natureza, não projetam estabilidade. Fixar 10 anos + prorrogação esvazia a precariedade e congela o bem público em favor de um particular.
- Base: doutrina de Direito Administrativo (Hely Lopes, Di Pietro): permissão/cessão de uso precária não combina com longuíssimo prazo.
- Tese: vício de coerência e desvio do instituto jurídico (permissão precária disfarçada de concessão estável).
6) Regime de urgência
duas sessões no mesmo dia
cerceamento do devido processo legislativo
- Urgência não é licença para suprimir análise de comissões, consultas técnicas, interstícios regimentais e debate público.
- Base:
- CF/88, art. 37 (publicidade e eficiência).
- Regimento Interno da Câmara (a checar): regra geral exige pareceres e interstício entre votações; a dispensa precisa de quórum qualificado e justificativa robusta.
- Tese: se faltaram pareceres (jurídico, educação, patrimônio), o vício é insanável e contamina a lei.
7) Risco de apropriação de infraestrutura e equipamentos educacionais
- O projeto autoriza uso de laboratório de informática, mobiliário e demais equipamentos.
- Base: princípios da eficiência e da economicidade (CF/88, art. 70 e 37).
- Tese: sem inventário + plano de reposição/manutenção e seguro específicos, há risco de depreciação do patrimônio da educação básica em favor de atividade privada lucrativa.
8) Insuficiência de contrapartidas públicas mensuráveis
- O texto fala em “benefícios sociais” genéricos.
- Tese: exigir contrapartidas objetivas (bolsas integrais/parciais para docentes/servidores/alunos egressos, estágios obrigatórios na rede, manutenção estruturada, reformas periódicas com cronograma e metas, indicadores de impacto etc.). Sem isso, a cessão é desequilibrada.
O caso deve gerar representações formais ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas dos Municípios, por indícios de favorecimento, lesão ao erário e violação à moralidade administrativa.
Enquanto isso, cresce entre a população a sensação de que a Câmara, em vez de fiscalizar, se tornou cúmplice de um governo que confunde o público com o privado.



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