quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Prefeito cede escola à faculdade do irmão em São Miguel do Araguaia

Projeto foi aprovado em duas sessões extraordinárias no mesmo dia, sem debate público nem parecer jurídico

Espaço cedido

O projeto autoriza a Prefeitura de São Miguel do Araguaia-GO a conceder à empresa UNISMA – Faculdade São Miguel do Araguaia Ltda. o uso das salas de aula da Escola Municipal Faria, incluindo:


  • Secretaria Administrativa,
  • Diretoria,
  • Laboratório de Informática,
  • Instalações sanitárias,
  • Sala de professores,
  • Espaços de convivência e alimentação,
  • Móveis e equipamentos necessários ao funcionamento da faculdade.


📍 Localização: Área pública municipal – Ruas 03, 04, 11 e 09, no Setor Maria Rita, matrícula nº 10.355 do registro imobiliário municipal.

⚖️ 

Forma da cessão

A cessão é formalizada por termo de permissão de uso, com as seguintes características:

  • Caráter precário e gratuito (não há cobrança de aluguel ou contrapartida financeira).
  • Pode ser revogada a qualquer tempo por ato do Poder Executivo, mediante justificativa de interesse público (Art. 11).
  • A utilização será exclusivamente no período noturno, entre 18h e 23h, para não interferir nas aulas regulares da escola (Art. 3º, II).


👉 Na prática, isso significa que não se trata de uma doação, mas de uma cessão de uso precário de bem público — modalidade que não transfere propriedade, apenas permite uso temporário, podendo ser revogada.

💰 Contrapartidas da UNISMA

De acordo com os Artigos 3º e 10, a instituição deve:


  • Zelar pela organização e conservação das salas (Art. 3º, I e 10);
  • Indenizar o Município por eventuais danos ao bem público (Art. 3º, III);
  • Manter a limpeza e conservação dos espaços cedidos;
  • Ceder o uso de equipamentos pedagógicos durante o dia para alunos da rede pública municipal (Art. 3º, VIII e Art. 9º);
  • Permitir fiscalização periódica da Prefeitura (Art. 3º, V);
  • Assumir integralmente os encargos trabalhistas, tributários e patrimoniais decorrentes de suas atividades (Art. 8º).

🟢 Em tese, a única contrapartida direta é a manutenção e conservação do espaço — não há previsão de repasse financeiro, bolsas de estudo, ou contrapartida educacional formalizada em lei.

⏳ Tempo de duração

O Art. 6º fixa o prazo de 10 (dez) anos, contados da publicação da lei, podendo ser prorrogado por igual período.

O imóvel pode ser retomado pela Prefeitura a qualquer momento, nas hipóteses do Art. 7º, como:


  • Descumprimento das condições legais;
  • Encerramento das atividades da UNISMA;
  • Utilização diversa da finalidade educacional;
  • Construção de sede própria pela faculdade;
  • Motivos de interesse público.

⚠️ Conclusão — Pontos críticos

  1. A cessão gratuita por 10 anos renováveis, mesmo sob a forma “precária”, configura vantagem expressiva a particular (instituição privada com fins lucrativos).
  2. Ausência de contrapartidas educacionais efetivas (como bolsas para estudantes locais, estágios, ou contrapartida social concreta).
  3. Conflito de interesse potencial, caso confirmada a informação de que um dos sócios da UNISMA é irmão do prefeito, o que pode caracterizar violação ao princípio da impessoalidade e ao art. 11 da Lei 8.429/1992 (improbidade administrativa por favorecimento).
  4. A tramitação em regime de urgência e aprovação em sessões extraordinárias no mesmo dia reforçam a necessidade de investigação do interesse público real e da adequação à Lei Orgânica Municipal.

As duas sessões extraordinárias foram convocadas exclusivamente para aprovar o projeto, sem tempo para análise detalhada, sem parecer educacional e sem qualquer audiência pública.

Segundo relatos de vereadores, o projeto chegou pronto para votação e foi aprovado de forma relâmpago, num procedimento visto por muitos como mera formalidade para legitimar um ato já decidido dentro do Executivo.


A forma como a matéria foi conduzida — duas sessões extraordinárias no mesmo dia — é apontada como indício de simulação de tramitação legislativa e tentativa de evitar questionamentos populares.


Moradores, professores e líderes comunitários expressaram indignação nas redes sociais, classificando a manobra como “o maior escândalo político da gestão”.


O que o projeto estabelece (fatos do próprio texto)

  • Objeto: cessão de uso de salas de aula e dependências da Escola Municipal Faria (inclui secretaria, sanitários, laboratório de informática, sala de professores e área de convivência).
  • Beneficiária: UNISMA – Faculdade São Miguel do Araguaia Ltda. (pessoa jurídica de direito privado).
  • Regime: gratuito e “precário”, mas por prazo de 10 anos, prorrogável por mais 10.
  • Horário: 18h às 23h (uso noturno).
  • Encargos: manutenção/limpeza pela cessionária; publicação do termo no DOM; previsão de fiscalização; hipóteses de retomada do imóvel; e cláusulas de responsabilidade por danos.
  • Tramitação: mensagem ao Presidente da Câmara pedindo “regime de urgência” e registro de que as duas sessões foram realizadas no mesmo dia.


Onde estão as fragilidades e irregularidades (com fundamentação)


1) Conflito de interesses e favorecimento familiar (nepotismo material)


  • Se confirmado que sócio da UNISMA é irmão do prefeito, há benefício direto a parente em ato de gestão patrimonial.
  • Base jurídica:
    • CF/88, art. 37, caput (legalidade, impessoalidade, moralidade e finalidade pública).
    • Lei 14.230/2021 (nova LIA) – arts. 9, 10 e 11: enriquecimento ilícito, dano ao erário e ofensa a princípios (mesmo sem dano quantificável).
    • Súmula Vinculante 13 (STF) não trata de contratos/cessões, mas a jurisprudência vem rechaçando nepotismo “material” quando o ato favorece parente por meio de ajustes com o Poder Público, afrontando impessoalidade/moralidade.

  • Tese: mesmo sendo “gratuita”, a cessão agrega valor econômico (uso exclusivo de escola equipada por até 20 anos), logo há vantagem indevida e quebra de isonomia.

2) Desvio de finalidade na política educacional


  • A Escola Municipal Faria é bem afetado à educação básica. Ceder uso exclusivo noturno a uma IES privada transforma a escola em campus noturno particular.
  • Base:
    • CF/88, art. 205 e 206 (finalidade pública da educação).
    • LDB (Lei 9.394/96) – dever de garantir padrões mínimos de qualidade e prioridade da rede pública; cessões que comprometam governança, segurança, limpeza, equipamentos, logística podem deteriorar o serviço público principal.

  • Provas úteis: laudos/pareceres da Secretaria de Educação e do Conselho Municipal de Educação (se inexistentes, grave vício).
  • Tese: sem estudo técnico educacional demonstrando inexistência de prejuízo e vantagens concretas à rede, há vício de finalidade.

3) “Gratuidade” por 10 + 10 anos = Renúncia de exploração patrimonial sem justificativa econômica

  • A Administração abre mão de explorar economicamente um ativo valioso (salas, laboratórios, mobiliário, segurança, limpeza compartilhada) por até 20 anos.
  • Base:
    • CF/88, art. 70 (dever de boa gestão do patrimônio público).
    • Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 14) – ainda que o dispositivo trate de renúncia de receita tributária, a boa prática e a jurisprudência dos Tribunais de Contas exigem estimativa de valor econômico do benefício e justificativa de interesse público predominante.

  • Tese: sem avaliação patrimonial/valoração do uso e contrapartidas proporcionais, há lesão ao erário por vantagem gratuita desarrazoada.

4) Ausência de procedimento isonômico (falta de chamamento público)

  • A escolha foi direta para uma IES específica.
  • Base:
    • Lei 14.133/2021, art. 5º – princípios: isonomia, seleção da proposta mais vantajosa, planejamento e transparência.
    • Em cessões de uso de bens públicos, quando houver escassez do bem e vantagem econômica envolvida, os Tribunais de Contas exigem procedimento público de seleção (ex.: chamamento/concurso de projetos), ainda que gratuito, para evitar direcionamento.

  • Tese: sem chamamento público aberto a todas as IES interessadas, há direcionamento e violação da impessoalidade.

5) Contradição lógica: “caráter precário” x “prazo de 10 anos prorrogável”

  • Atos precários são revogáveis a qualquer tempo e, por natureza, não projetam estabilidade. Fixar 10 anos + prorrogação esvazia a precariedade e congela o bem público em favor de um particular.
  • Base: doutrina de Direito Administrativo (Hely Lopes, Di Pietro): permissão/cessão de uso precária não combina com longuíssimo prazo.
  • Tese: vício de coerência e desvio do instituto jurídico (permissão precária disfarçada de concessão estável).

6) Regime de urgência

duas sessões no mesmo dia


cerceamento do devido processo legislativo

  • Urgência não é licença para suprimir análise de comissões, consultas técnicas, interstícios regimentais e debate público.
  • Base:
    • CF/88, art. 37 (publicidade e eficiência).
    • Regimento Interno da Câmara (a checar): regra geral exige pareceres e interstício entre votações; a dispensa precisa de quórum qualificado e justificativa robusta.

  • Tese: se faltaram pareceres (jurídico, educação, patrimônio), o vício é insanável e contamina a lei.

7) Risco de apropriação de infraestrutura e equipamentos educacionais

  • O projeto autoriza uso de laboratório de informática, mobiliário e demais equipamentos.
  • Base: princípios da eficiência e da economicidade (CF/88, art. 70 e 37).
  • Tese: sem inventário + plano de reposição/manutenção e seguro específicos, há risco de depreciação do patrimônio da educação básica em favor de atividade privada lucrativa.

8) Insuficiência de contrapartidas públicas mensuráveis

  • O texto fala em “benefícios sociais” genéricos.
  • Tese: exigir contrapartidas objetivas (bolsas integrais/parciais para docentes/servidores/alunos egressos, estágios obrigatórios na rede, manutenção estruturada, reformas periódicas com cronograma e metas, indicadores de impacto etc.). Sem isso, a cessão é desequilibrada.


O caso deve gerar representações formais ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas dos Municípios, por indícios de favorecimento, lesão ao erário e violação à moralidade administrativa.

Enquanto isso, cresce entre a população a sensação de que a Câmara, em vez de fiscalizar, se tornou cúmplice de um governo que confunde o público com o privado.



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