Por Ethevaldo Siqueira
Sim, R$ 58,2 bilhões. Esse é o montante confiscado pelo governo federal ao longo dos últimos 12 anos dos três recursos dos fundos setoriais de telecomunicações: Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel); Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST); e Fundo de Tecnologia de Telecomunicações (Funttel). Não é por falta de recursos, portanto, que o Brasil ainda enfrenta muitas carências nessa área.
Embora o País conte com recursos tão expressivos quanto os três fundos setoriais sistematicamente confiscados desde o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), lançado em 2008, no final do governo Lula, só tem investido quantias ridículas nessa área. A empresa ainda promete banda larga com a velocidade de 1 Megabit por segundo, que não é banda larga em nenhum lugar do mundo.
Por que confiscar?
Está na hora de o governo mudar seu comportamento em relação ao confisco dos fundos setoriais, cujos recursos são destinados, por lei, às telecomunicações. Para se ter uma ideia do absurdo desse confisco, é bom lembrar que, segundo dados oficiais da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil), ao longo dos últimos dez anos, a União confiscou a impressionante soma de R$ 58,2 bilhões, que eram destinados, por lei, aos fundos setoriais de telecomunicações, nas áreas de fiscalização, universalização e pesquisa tecnológica.
Menos de 7% do total efetivamente arrecadado sobre as receitas de telecomunicações, de 2001 até 2012, no valor de R$ 62,4 bilhões, foram aplicados nas finalidades para as quais foram criados esses fundos. Mais de 93% do que se arrecadou foram confiscados ou "contingenciados" para pagar juros da dívida pública. Não seria melhor cortar a "gastança" e combater a corrupção do que confiscar recursos destinados à infraestrutura e à melhoria dos serviços de telecomunicações?
O Brasil não é um país pobre, mas, sim, perdulário, que gasta muito e gasta mal. Imagine, leitor, que salto extraordinário ocorreria neste País se, apenas nos últimos 12 anos (2001-2012), seus governos tivessem investido essa montanha de recursos (R$ 58 bilhões) em banda larga: o Brasil poderia dispor hoje de uma das mais modernas infraestruturas de internet rápida do mundo.
No entanto, em lugar de combater a corrupção cada dia maior e cortar a gastança descontrolada, os sucessivos governos têm preferido meter a mão nos bilhões reservados por lei a projetos e investimentos de muito maior valor social e econômico.
Velho vício impune
Esse confisco de R$ 58,2 bilhões não é de responsabilidade exclusiva deste governo, mas, sim, de todos os governos de 2001 até hoje, período que abrange dois anos de governo FHC, oito anos de Lula e 27 meses de Dilma Rousseff. Não se trata, portanto, de nenhuma má vontade contra os governos do PT ou do PSDB, mas de uma crítica a uma atitude hipócrita de todos os seus governantes.
É por isso, leitor, que o governo federal tem brigado pela desvinculação total de suas receitas. Sejam fundos setoriais ou não. No entanto, quem entrar no site www.tesouro.receita.gov.br/serviços/glossario, encontrará lá a definição de receita vinculada, como sendo aquela, cuja destinação específica é estabelecida pela legislação vigente. Não há nada mais desmoralizado na área orçamentária deste país do que as vinculações previstas na "legislação vigente". Por isso, o governo quer gastar a seu bel prazer, sem qualquer restrição. Nem os R$ 40 bilhões anuais da antiga CPMF, contribuição criada especificamente para investimentos em saúde, foram efetivamente aplicados nesse setor.
Ordenhando a "cash cow"
As telecomunicações têm sido a vaca leiteira (ou cash cow, na expressão inglesa) de todos os governos, não apenas para confiscar mais de R$ 58 bilhões, mas porque a cobrança dos impostos sobre as contas telefônicas é uma das mais fáceis, mais simples e mais seguras. O governo chega a exigir o recolhimento do imposto, mesmo que o assinante do telefone fixo ou celular não tenha quitado sua conta.
Além de ter recolhido aos cofres públicos mais de R$ 350 bilhões de impostos, desde 2001, a arrecadação dos fundos setoriais produziu a impressionante soma de R$ 62,434 bilhões de recursos arrecadados, ao longo dos últimos 12 anos de vigência da arrecadação. Veja, leitor, o que pagamos para os fundos setoriais de telecomunicações.
• R$ 35,267 bilhões do Fistel;
• R$ 14,274 bilhões do FUST;
• R$ 3,922 bilhões do Funttel.
Desse total de R$ 62,434 bilhões, apenas R$ 4,230 bilhões foram efetivamente utilizados em fiscalização (no orçamento da Anatel) e investimento tecnológico. Se a prioridade da banda larga fosse verdadeira, o governo poderia destinar o total desses recursos a coisas prioritárias do setor, como o PNBL, especialmente depois de desviar esses R$ 58,204 bilhões de suas finalidades específicas.
Maiores tributos do mundo
O Brasil é um dos campeões mundiais em tributação das telecomunicações: cobra mais de 44% de impostos (entre ICMS, PIS e Cofins) sobre o valor real dos serviços de telecomunicações. A maior parcela desses tributos refere-se aos ICMS, destinado majoritariamente aos Estados, que tem alíquotas variáveis de 25% a 40%, fixadas pelos integrantes do CONFAZ (Conselho de Política Fazendária), integrados pelos secretários da Fazenda de cada Estado.
Por que não discutir uma estratégia específica para o ICMS, propondo a redução progressiva da carga brutal desse imposto que hoje onera todas as telecomunicações?
Diante de uma pergunta dos jornalistas nessa mesma linha, o ministro Paulo Bernardo disse: "Quando eu falo nisso (redução do ICMS para todos os serviços de telecomunicações), eles (secretários da Fazenda) retrucam: E como eu pago minhas contas?"
Se depender desses argumentos e do poder do Confaz de fixar as alíquotas do interesse dos Estados, o Brasil nunca mudará a essência de sua política tributária brasileira – tão irracional que coloca o País entre os campeões mundiais de taxação de itens essenciais como telecomunicações, combustíveis, energia elétrica e água, com alíquotas que superam os 40% sobre o valor dos produtos e serviços.
Os R$ 62,434 arrecadados
São três fundos criados por lei e com destinação obrigatória, carimbada: Fundo de Tecnologia de Telecomunicações (Funttel), Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) e Fundo de Fiscalização de Telecomunicações (Fistel). Do Funttel foram arrecadados R$ 3,922 bilhões e aplicados menos de 7% desse valor; do FUST, foram arrecadados R$ 14.274 bilhões e aplicados menos de 1% desse total; do Fistel, foram aplicados menos de 7% dos R$ 44,239 bilhões arrecadados ao longo dos últimos 12 anos.
Confira, a seguir, a arrecadação dos três fundos, ano a ano:
2001: 5.602
2002: 3.996
2003: 2.032
2004: 2.935
2005: 2.909
2006: 2.950
2007: 4.585
2008: 8.238
2009: 6.738
2010: 4.839
2011: 10.480
2012: 7.130
Total: 62,434 bilhões
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