Delegado convoca jornalista após críticas ao Ministério Público; decisão histórica do STF reforça que intimidações configuram censura prévia, vedada pela Constituição.
A recente intimação emitida pelo delegado de polícia da comarca de Acreúna-GO contra este jornalista, Cleuber Carlos, reacende um debate urgente: até onde vai a legalidade e onde começa o abuso quando autoridades usam o aparato policial para constranger a imprensa?
Segundo apurado, o mandado de intimação estaria vinculado a uma representação criminal possivelmente originada pelo promotor Sandro Halfeld, o mesmo que já moveu ação civil contra este blog, pedindo indenização e a retirada de conteúdos críticos. A coincidência de partes e alegações levanta um alerta: estamos diante de uma segunda frente processual com base nos mesmos fatos, agora com caráter policial.
O que a lei diz
No Brasil, as esferas cível e criminal são independentes. Assim, mesmo após ajuizar ação civil, qualquer pessoa pode buscar a apuração criminal de supostos crimes contra a honra.
O que não se pode admitir é que essa dupla atuação seja instrumentalizada para gerar constrangimento, intimidação ou efeito silenciador sobre o trabalho jornalístico.
O delegado pode intimar para depoimento desde que:
- exista um procedimento formal (boletim de ocorrência ou inquérito policial);
- a intimação indique o número e objeto do procedimento;
- sejam respeitados os direitos constitucionais do intimado, como o direito ao silêncio e à presença de advogado.
O que o delegado não pode fazer
- Obrigar o jornalista a responder perguntas que possam incriminá-lo;
- Exigir senhas, equipamentos ou documentos sem ordem judicial;
- Determinar a remoção de reportagens — competência exclusiva do Judiciário, com limites constitucionais claros;
- Usar a intimação como meio de pressão política ou editorial.
A Lei nº 13.869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade) considera crime “dar início ou instaurar investigação contra alguém à falta de justa causa fundamentada” ou “proceder à obtenção de prova por meio manifestamente ilícito ou com violação de prerrogativas”.
O precedente do STF que protege o jornalismo
Este caso não é inédito. Em 2014, o Supremo Tribunal Federal, na Reclamação 18836, deferiu liminar em favor deste mesmo jornalista, Cleuber Carlos, para impedir ato censório que determinava a retirada de conteúdos críticos publicados em redes sociais.
A decisão também invocou a ADPF 130, que derrubou a antiga Lei de Imprensa e consolidou a liberdade de expressão como cláusula pétrea.
Censura prévia e liberdade de imprensa
O art. 220 da Constituição e a jurisprudência do STF são claros: não há censura prévia no Brasil. Qualquer responsabilização só pode ocorrer após a publicação e mediante devido processo legal.
Quando a polícia é acionada para “vigiar” ou “questionar” previamente o conteúdo jornalístico, a prática se aproxima perigosamente da censura prévia — vedada tanto pela Constituição quanto pelo precedente da Rcl 18836.
Por que isso preocupa
Se essa lógica se mantiver, qualquer agente público poderá:
- mover ação civil por danos morais;
- paralelamente, acionar a polícia para abrir um inquérito;
- usar os dois processos como ferramenta de desgaste e intimidação.
O efeito colateral é claro: autocensura. Jornalistas deixam de publicar informações de interesse público para evitar o peso financeiro, psicológico e jurídico de enfrentar o Estado — justamente o oposto do que garante a Constituição.
Este blog não se intimida
Compareceremos à intimação acompanhados de advogado, exigindo transparência sobre o objeto do inquérito e denunciando qualquer abuso à Corregedoria da Polícia Civil e ao Conselho Nacional de Justiça.
Não aceitaremos que instrumentos legais sejam convertidos em armas políticas contra a liberdade de informar.
Liberdade de imprensa não é concessão: é cláusula pétrea, reafirmada pelo STF, e não será calada por mandados, boletins ou intimidações

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