Turvânia, cidade pequena, mas politicamente fervilhante, tornou-se palco de dois escândalos simultâneos, revelados em duas Comissões Especiais de Inquérito que expuseram um modo de operar muito conhecido em Goiás: o desvio silencioso, a esperteza administrativa e a aposta na impunidade.
A primeira CEI desmontou um esquema de desvio bancário de quase R$ 2 milhões conduzido por quem deveria zelar pelo dinheiro da população.
A segunda CEI revelou a farra de indenizações sem licitação, usadas como atalho para contratar obras, eventos e serviços sem nenhum controle, gerando prejuízos acima de R$ 1,5 milhão.
Não se trata de coincidência. Trata-se de um sistema.
O ROMBO DE REGINALDO: O “CONTADOR” QUE VIVIA DE CONTABILIDADE PARALELA
O caso do ex-secretário de Finanças Reginaldo Marques da Silva é emblemático — e didático.
Ele confessou ter desviado mais de R$ 400 mil em impostos municipais, mas a CEI identificou R$ 1,9 milhão evaporando das contas da Prefeitura entre 2017 e 2025.
O método é conhecido em prefeituras Brasil afora:
- tributo pago pela população →
- parte some antes de entrar no caixa oficial →
- extratos bancários adulterados “corrigem” o desaparecimento →
- contabilidade paralela fecha o rombo →
- o dinheiro reaparece em criptomoedas, investimentos e ativos pessoais.
O trabalho da CEI não deixa dúvidas: o sistema foi montado para funcionar durante anos, e só caiu porque a Polícia Civil começou a puxar o fio do novelo.
Reginaldo iniciou a devolução de parte do valor — cerca de R$ 417 mil — numa tentativa de reduzir o impacto penal.
Mas isso não apaga o fato central: Turvânia foi saqueada aos poucos, durante quase uma década
FAUSTO MARIANO E A FARSA DAS INDENIZAÇÕES
Enquanto um esquema operava nos bastidores da contabilidade, outro se consolidava na administração: o uso criminoso de indenizações para burlar licitações.
A CEI nº 002/2025 foi cristalina:
- serviços sem contrato,
- eventos pagos que sequer ocorreram,
- compras feitas sem justificativa legal,
- um único parecer jurídico para todo tipo de despesa,
- e mais de 71 processos de indenização assinados pelo então secretário de Obras, William Barreto, somando R$ 1,73 milhão.
Tudo isso durante a gestão do ex-prefeito Fausto Mariano Gonçalves, que teria pressionado secretários para “agilizar” processos no ano eleitoral, como revelaram depoimentos oficiais.
Indenização é medida excepcional. Em Turvânia virou política pública.
A DESORDEM QUE NÃO É ACIDENTE: É MECANISMO
Quando duas CEIs apontam duas modalidades diferentes de desvio — uma bancária, outra licitatória — e ambas revelam prejuízos milionários, é impossível tratar isso como erros administrativos ou “falhas de gestão”.
A verdade é bem mais dura:
Turvânia foi governada por dois sistemas de drenagem simultânea.
Um operava pelo computador, outro pela caneta.
Um atuava falsificando extratos, o outro falsificando justificativas.
Um desviava tributos, o outro desviava processos.
Ambos dependiam de três ingredientes essenciais:
- Ausência de controle interno funcional
- Cultura política de impunidade municipal
- Cumplicidade silenciosa de quem sabia e fingiu não saber
E é justamente essa arquitetura que destrói pequenas cidades: o dinheiro não some de uma vez — ele derrete um pouco por mês, por ano, até que a população acorda com buracos na rua, remédios faltando e escolas caindo aos pedaços.
O QUE A POPULAÇÃO PRECISA SABER
Hoje, Turvânia assiste a um desfile de discursos defensivos:
- secretário admitindo desvio, mas relativizando o impacto,
- ex-prefeito acusando “perseguição política”,
- auxiliares dizendo que apenas cumpriram ordens,
- e aliados tentando desviar o foco com comparações e bravatas.
Mas enquanto os discursos se confundem, os números não mentem:
📌 R$ 1,9 milhão desviados das contas públicas (CEI 001/2025)
📌 R$ 1,7 milhão pagos sem processo legal (CEI 002/2025)
Ou seja:
Turvânia perdeu pelo menos R$ 3,6 milhões — dinheiro que deveria estar hoje nas escolas, na saúde, no transporte, na infraestrutura.
OPINIÃO
Turvânia não é exceção — é símbolo.
É o retrato fiel do que acontece quando:
- políticos transformam lei em obstáculo,
- gestores tratam o erário como conta pessoal,
- servidores confundem obediência com cegueira,
- e a população vira espectadora do próprio prejuízo.
Duas CEIs em um ano não são azar.
São consequência de um modelo de poder que exauriu a cidade.
E agora, que tudo veio à tona, Turvânia tem dois caminhos:
👉 fingir que “passou”, como tantas outras cidades fazem,
ou
👉 usar esse momento como divisor de águas e exigir responsabilização total — política, civil e criminal.
O dinheiro já foi.
Mas a resposta da cidade — essa, sim — ainda pode salvar seu futuro.

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