quarta-feira, 23 de setembro de 2015

'O Clichê Favorece a Covardia e Protege os Medíocres', Diz Marcello Serpa

Marcello Serpa no Festival do Clube de Criação
"De quanta terra precisa o homem?" Com a serenidade de quem aprendeu exatamente a resposta para a questão extraída de um conto de Tolstói, um sereno e franco Marcello Serpa subiu ontem (21) ao palco Skol do Festival do Clube de Criação, em São Paulo.

O publicitário acaba de deixar a AlmapBBDO, provavelmente a onda mais desafiadora que já surfou em seus 34 anos de carreira. Sua presença no evento mostra que ele saiu por um tempo da propaganda, mas a propaganda não saiu dele. "Temos a felicidade de trabalhar numa profissão onde o erro não mata ninguém", disparou.

O discurso maduro contrastou com uma figura leve, que inúmeras vezes fez graça com algumas das maiores curiosidades de sua carreira. Com o mote "Vim, Vi e Vendi", Serpa lembrou o inicío de sua trajetória, quando se dizia "arrogante e imbecil", mas absurdamente obstinado pela ideia de ter a sua própria agência.

Depois de já reconhecido e premiado na DM9, após uma passagem também marcante pela DPZ, o publicitário tomou a audaciosa decisão de recusar um convite de sociedade com Nizan para embarcar na aventureira missão de reerguer a Almap, que na ocasião contava apenas com alguns funcionários, uma samambaia "cafona" e o pôster de um filme clássico na parede. "Prefiro ser um arbusto pequeno a uma sombra de carvalho", disse na oportunidade ao hoje chairman do Grupo ABC.

Para Serpa, a visão de uma agência não pode ser definida antes que ela tenha que ralar muito para construí-la. "Não tivemos tempo de colocar a nossa missão na parede. Não se escreve sobre isso. É preciso praticar". Em sua percepção, construir uma "agência feliz" coincidia em algumas atitudes como não trabalhar para contas do governo e não participar de concorrências. Sobre a última, lembrou uma frase que Fernanda Montenegro dizia para pessoas que lhe pediam ingressos de teatro: "Não me peça para dar a única coisa que tenho para vender".

A respeito dos desafios pelo caminho, o publicitário fala sobre a sua aversão aos clichês. "Lutamos a vida toda contra eles, pois favorecem a covardia e protegem os medíocres". Seguindo o raciocínio, ele menciona alguns dos novos termos publicitários. "O storytelling é uma das coisas mais idiotas que já ouvi. O Olivetto já fazia isso há tempos, por exemplo. Agora criaram também o storydoing. Contar histórias é básico".

Sobre a força de penetração das redes sociais e as novas maneiras de se conectar com o público, Serpa é enfático ao afirmar que as coisas mudaram muito menos do que as pessoas vaticinam pelos cantos. "Fui criticado recentemente ao dizer que a mídia social morreu e o viral está decadente. O que quis dizer é que a rede social agiu como um traficante, que distribui droga de graça na porta das escolas e depois começa a vender o produto. Outra coisa: dizem que a televisão iria morrer e quem estava fazendo vídeo teria que se reinventar. E agora o que está acontecendo? O Facebook está estimulando cada vez mais o vídeo em sua plataforma. A roda voltou e estamos fazendo filmes novamente", defende.

Serpa também falou sobre a crescente onda do bem que anda atingindo todas as empresas e tornando a comunicação das marcas todas parecidas em suas propostas. "São sempre as mesmas três coisas: ‘eu mudo a sua vida para melhor’, ‘eu te inspiro’ ou simplesmente ‘eu te ajudo a salvar o planeta’. Tanto dinheiro em pesquisa para chegar em posicionamentos tão iguais. Se todas as marcas querem salvar o planeta, quem é o filho da puta que está destruindo essa porra?".

Questionado pelo público sobre sua decisão de deixar a Almap, Serpa falou sobre a necessidade de respeitar seu relógio interno. "Estou cansado de defender o legado, os grandes clientes. Não queria virar um porteiro de museu. Eu e o Madeira criamos a agência como monges budistas criam uma mandala, peça por peça. Agora abrimos a janela e deixamos o vento levar a areia".

O futuro? "Tracei um plano claro: não ter plano algum. Mas pode ser sim que eu crie algo para fazer em breve, um novo negócio talvez. Eu só não abriria uma agência para comprar palavra-chave no Google", finaliza, arrancando risos e aplausos da plateia.

Por Renato Rogenski

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