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"Se alguém acha errados os levantamentos que informam o declínio de popularidade de Lula em seus maiores celeiros de voto precisa ir ao Nordeste e dialogar com os pobres", . |
Demóstenes Torres.
Um muro de lamentações ergue-se na bela Aquiraz, que há 300 anos era a capital cearense. “O turista sumiu”, é o que dizem.
.Moro em Goiânia, que exporta roupas e enxovais para os 4 cantos do planeta redondo. Seus centros populares, o da Rua 44 e o da Avenida Bernardo Sayão, recebem ônibus de sacoleiras da América do Sul. Ambas superam o Brás e a 25 de Março, em São Paulo, em produtos de fabricação própria.
As imagens de multidões com sacola me vieram à cabeça em passeio pelo Ceará. Como tudo no litoral nordestino foi feito pessoalmente por Deus, de tão lindo, imaginei que encontraria os lugares turísticos lotados como a 44, a Bernardo Sayão, o Brás e a 25 de Março. Nada disso –e as próprias lojas paulistanas e goianienses há uns 2 anos deixaram de estar abarrotadas. Sobreviveram à pandemia, mas não estão aguentando o PT. Aquiraz, que há 300 anos era a capital cearense, é belo de a gente se ajoelhar e agradecer aos céus por estar aqui. A meu lado uma rendeira roga por suas vendas. Puxo conversa. O tom se eleva. Aumenta a roda no mercadinho. Ergue-se um muro de lamentações. O único movimento constante é o da água transparente.
O pequeno público desfila, olha admirado e… continua de mãos abanando. Para ambulante, autônomo e MEI, o microempreendedor individual, está difícil até manter mercadoria exposta. O material é caro e o capital de giro, exclusividade de livro de administração. As rendeiras estão duplamente sem renda. Argumento que uma saída seria a internet. Não lhes falta de tentativa. Porém, se o transeunte não gasta naquele oceano de atrações presenciais, imagine virtualmente… Juntas, repetem o mantra: “O turista sumiu”. O que volta com as malas atulhadas de lembrancinhas é avis rara.
Enquanto minha mulher, Flávia, escolhia guardanapos de mesa, ouvi histórias das rendeiras com seus bilros e fiandeiras com suas tramas. Em comum, além do talento, as artesãs mostram a ojeriza a Lula. Todas o apoiavam, todas se arrependeram. Alivio a barra das gestões petistas estadual e federal lembrando feitos do governador e que o presidente anunciou mais bolsas para estudantes e vitaminou o Farmácia Popular. Elogio o Pix por aproximação. Minha plateia dá de ombros. Aceita Pix de qualquer jeito, mas de que jeito se o freguês não se aproxima?
Programa social não basta. Elas querem que o turista obtenha a condição de visitar, se encantar com a praia e as peças, adquiri-las e retornar na próxima temporada. “De quem é a culpa pela derrocada econômica?”, pergunto com outros termos. O presidente é unanimidade e sobra inclusive para a primeira-dama: “Lula só quer saber de ir pro estrangeiro e namorar com a Janja”. Ele não lhes deu o bom conselho para ninguém comprar? Começa a babel, todas xingando a um só tempo. Frases publicáveis:...
“Se ninguém compra, como é que nóis veve?”. “Vou mandar pra ele pagar minha luz”. “Não dá pra ficar sem comer”. Contam que a maioria da clientela sai de Minas Gerais, São Paulo e Brasília. Muitos iam do Rio de Janeiro, escapando da violência, antes de facções da Grande Fortaleza passarem a gerar manchetes superiores às dos verdes mares bravios descritos por José de Alencar. Mas a crise é socialista, tira do assalariado e do patrão, nas 5 regiões do país. Entre os empreendedores, prejudica do apanhador no campo de latinhas ao rico que pratica a sutil arte de ligar o fuja-te para Miami.
E destroçou as finanças locais. São dezenas de praias espalhadas pelo município de Aquiraz e seu ecossistema de negócios é formado por comercinhos e botecos. Para conhecê-lo, recorro aos bugueiros, que falam cobras e calangos de Sua Excelência do Alvorada. O garçom indica que ali onde está um grupo de pedintes era feita a fila para entrar no restaurante àquela hora. Corretores de imóveis para locação prometem desconto de metade do que está anunciado em aplicativos como Airbnb. Em outras palavras, crise, baita crise....
Entendeu ou quer que desenhe? Se preferir os traços do pintor de rua será ótimo, pois está difícil conquistar o 1º que vai sentar-se a sua frente. Como também ele repete, o turista sumiu. Quis levar para o papel a minha cara feia e me deu a cartada final: estava sem dinheiro para almoçar. Um artista daquele nível mendigar um prato no paraíso é péssimo retrato de um governo que em 2 anos enfiou R$ 35 bilhões na Lei Rouanet, que em tese atende a quem faz cultura. E o meu novo amigo hábil com grafite só queria R$ 20 para uma marmita. Não dá pra ficar sem comer....
Então, se alguém acha errados os levantamentos que informam o declínio de popularidade de Lula em seus maiores celeiros de voto precisa ir ao Nordeste e dialogar com os pobres –aliás, com qualquer pessoa sem cargo em repartição. Outro susto é o endividamento. Uma família do interior do Estado comenta que usou o cartão em todas as despesas. Era isso ou enlouquecer com o volume de estresse, desculpa-se o homem. Sua mulher fala que em 2024 não foi ao salão de beleza para poupar. Mesmo assim, os trocados se revelaram insuficientes. Novas dívidas para incrementar a loucura....
Os dados de planilhas ganham vida. Multiplicam-se as placas de “Aluga-se” e “Passa-se o ponto” em frente a algumas das 854.150 empresas que faliram no Brasil em 2024. A EBC, agência oficial de notícias, comemorou em fevereiro a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor da Confederação Nacional do Comércio. É a Peic, que cravou 76,1% de brasileiros endividados e inadimplentes, de Caucaia (CE) a Santana do Livramento (RS). No texto, a EBC vibra com uma queda de 0,5% no caos. Traduzindo, o rapaz do grafite ainda vai ganhar milhões de concorrentes, não nos traços, mas na petição de miséria. A nação tem paisagens indescritíveis, seus habitantes querem vencer na vida, o cenário internacional está ajudando, mas parece que algum manifestante do 8 de Janeiro enterrou uma cabeça de burro na Praça dos 3 Poderes. Ou foi alguém que elegeu uma para o Palácio do Planalto.
Demóstenes Torres Demóstenes Torres, 64 anos, é ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, procurador de Justiça aposentado e advogado.
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