Por César Augusto*
O avanço das tecnologias de inteligência artificial tem surpreendido a todos nos últimos tempos, sobretudo por a tecnologia estar cada vez mais presente no cotidiano das pessoas que não são ligadas a carreiras em TI. Além disso, muito tem se especulado sobre o potencial da aliança entre essa tecnologia e outras ferramentas e recursos de computação. Pensando nisso, e a fim de explorar horizontes diferentes, decidi trazer algumas considerações sobre o potencial das IAs quando aliadas à computação quântica.
Para entender como uma tecnologia ajuda a outra, é preciso primeiro entender e desmistificar algumas terminologias. Quando falamos em IA, na verdade nos referimos à tecnologia em sua pluralidade, a IA como um guarda-chuva para diversas tecnologias em que máquinas (de softwares à sistemas muito mais complexos, como carros autônomos) são capazes de analisar, interpretar e inferir fatos com base em um conjunto de informações. Além disso, podemos falar, também, de um conceito muito mais complexo e abstrato, para presente e futuro, que envolve tecnologias de IA que buscam se tornarem sistemas dotados de inteligência.
Nessa mesma linha, cabe também dizer que a computação quântica não tem por fim substituir a computação clássica que conhecemos, e nem sempre irá representar a melhor ou mais rápida opção para um dado problema. Feitas essas considerações, ao longo do texto, ao me referir à IA, falarei de sistemas em que grande parte dos feitos nada mais é do que muita matemática aplicada (sistemas capazes de analisar, interpretar e inferir sob grandes quantidades de informações).
O interessante da relação computação quântica e IA é que ela é, com a devida liberdade de uso do termo, mutualística. Ou seja, é possível ter o uso das capacidades e algoritmos de computação quântica em tarefas de IA, bem como ter sistemas de IA “clássicos” que sejam aplicados a dados provenientes de sistemas quânticos, com a finalidade de evoluir estes sistemas.
Partindo para um ponto mais específico, os das IAs generativas (GenAI), que são um tipo de IA capaz de produzir diversos tipos de dados, como imagens, vídeos, textos, modelos em 3D, entre outros, após aprender padrões em conjuntos de dados já existentes, temos que a capacidade de gerar dados das GenAI vem de ela não ter aprendido padrões nos conjuntos em que foi treinada. Quando inquerido, o sistema é capaz de reproduzir aquele tipo de dado conforme o que se denomina uma distribuição de probabilidade. E é justamente por tal estrutura de funcionamento, que elas poderiam passar por um grande upgrade quando aliadas a computadores quânticos.
Um computador quântico tem como natureza inerente ser probabilístico. Graças a fenômenos como a superposição e o emaranhamento, eles são capazes de codificar distribuições de probabilidade muito mais complexas que em modelos clássicos, sendo, inclusive, capazes de criar dados que verdadeiramente representem a distribuição de probabilidades existente, e que não sejam enviesados, como acontece com modelos tradicionais. Por isso, para alguns, esses são os primeiros sistemas em que o uso de computadores quânticos irá se mostrar uma grande vantagem.
Outra questão interessante é se seria possível usar a computação quântica para evoluir as IAs atuais, criando novos tipos de IAs, mais inteligentes ou que possam fazer mais coisas. Esse questionamento é interessante e abre uma boa margem para mitigar certos mal-entendidos, porque é muito comum se pensar que se pegariam os dados existentes, como estão, os modelos e algoritmos de machine learning atuais, e os colocariam para serem executados em um computador quântico e “todo grande poder de processamento” desse permitiria que IA’s aprendessem mais e mais rápido.
O interessante é que não é assim que as coisas funcionam. A princípio, computadores quânticos não visam substituir os clássicos e nem todo problema se beneficiaria de tais sistemas. A evolução, ou mesmo o surgimento de novos tipos de IAs é algo que passa por um trabalho que vai de novos desenvolvimentos na matemática até novos desenvolvimentos de software e hardware. Com certeza, computadores quânticos são capazes de promoverem um boost nas IAs, como comentei no caso das GenAI, mas tudo irá depender de uma série de fatores, e não será algo quase “mágico”, como se imagina.
Certo! Mas você deve estar se perguntando, qual a utilidade real de tudo isso? A prática para meu cotidiano, meu negócio, minha pesquisa etc. De maneira muito generalista, todo e qualquer setor que lida com um grande volume de dados, e dados estes que apresentam grandes complexidades, teria muito a ganhar com o trabalho conjunto dessas duas tecnologias. O problema é que falar assim é quase o mesmo que dizer “todos os setores da sociedade moderna”. Então, sendo um pouco mais focado, acho que vale apontar alguns usos potenciais, em especial nos setores financeiro, da saúde e telecomunicações.
No primeiro setor, praticamente toda atividade de otimização seria melhorada. Seria possível otimizar a alocação de capital, os assets, a escolha e gerência de portifólio, entre outros. Já na área da medicina e farmácia estão alguns usos que eu considero os mais interessantes, como análise e modelagem precisa de moléculas para novos medicamentos, seleção de grupos para ensaios clínicos, processos de otimização de recursos hospitalares e até mesmo de distribuição de serviços de saúde em uma dada cidade, por exemplo.
Em telecomunicação, assim como no setor financeiro, tarefas de otimização seriam o principal foco, como do tráfego de comunicação e redes. Otimizar esses aspectos mostra um grande potencial de redução de recursos consumidos, o que possibilita menos custos e uma melhoria no próprio serviço oferecido por essas empresas.
Quanto a outras aplicações, acredito que teremos grandes avanços de consultorias de negócios e tecnologia que possam auxiliar seus clientes a visualizar como aplicar essas tecnologias emergentes a seus contextos. Isso ajudará empresas de vários ramos a compreenderem melhor os dados que possuem, extrair inteligência superior deles e, consequentemente, oferecer melhores serviços.
Claro que a maior parte do que pontuei aqui ainda está muito no início. Hoje em dia, as IAs tem mostrado grande potencial no seu uso dentro de negócios, automatizando processos, analisando grandes quantidades de informações, servido á melhoria de atendimento ao cliente, servido como novos meios de desenvolver soluções de segurança etc., mas essa combinação ainda é relativamente recente na mente de pesquisadores e desenvolvedores.
Para falar um pouco do que já é realidade, além das pesquisas acadêmicas, já existem muitas companhias, desde startups até gigantes da tecnologia, que têm iniciativas gigantes para explorar essa combinação entre IA e computação quântica. Empresas como Zapata Computing, nos EUA, Xanadu, no Canadá, e até mesmo a IBM têm projetos, sejam internos ou em parceria com potenciais clientes e/ou indústrias, em que a combinação dessas tecnologias vem sendo empregada. Um exemplo vem da parceria entre a IBM e Moderna, que se juntaram para combinar computação quântica e IA e desenvolverem diversos tratamentos baseados em mRNA, que foi a tecnologia que permitiu o surgimento de uma das primeiras e mais efetivas vacinas para COVID-19 durante a pandemia. Agora resta outros setores estarem abertos e dispostos a investir nessas novas frentes, sabendo da existência desse potencial de mudança.
Ainda vale uma última om um aprendizado melhorado por computação quântica, uma IA generativa poderia desenvolver, por exemplo, um novo patamar de "consciência" ou "inteligência"? E aqui não falo de nada ao estilo ficção científica, mas sim de análises sérias sobre implicações futuras, sobretudo as éticas.
Como já expliquei anteriormente, não é simplesmente combinar as tecnologias que irá gerar algo novo. Existem muitos fatores. Porém quando se fala sobre as implicações éticas em torno de modelos mais “inteligentes” e capazes, o cenário é mais complexo. Existem grupos no universo da pesquisa, dentro de instituições e mesmo governos que tem comitês ou unidades dedicadas a olhar exclusivamente para essa questão.
Provavelmente, quase todos que tiveram contato com o ChatGPT, por exemplo, sabem que mesmo que haja mecanismos que impeçam o modelo de responder questões que considera crime ou afins, existem formas de os contorná-lo e obter o resultado desejado. Uma outra questão polêmica nesse campo, é justamente o fato de GenAI ser capaz de aprender e reproduzir o estilo de diversos artistas, sendo tão capazes que artes geradas por esses sistemas chegaram a ganhar concursos. Tudo isso leva a questões e reflexões acerca de até onde se vai antes de implicações mais sérias.
Agora, um fato é que com ou sem sistemas quânticos, as IAs continuarão a evoluir. Como iremos agir com relação a isso é que precisa ser debatido sob a ótica da razão e humanidades.
*César Augusto é Arquiteto de Sistemas na Certsys.
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