sexta-feira, 5 de julho de 2019

Artigo de Valério Luiz Filho Sobre a Morte do Pai

Há 7 anos meu pai foi assassinado. Naquele 5 de julho de 2012, ele saiu de seu trabalho na Rádio Bandeirantes 820, às duas da tarde, e, ao entrar no carro, foi surpreendido com 6 tiros à queima-roupa. Não sei se todos se lembram, mas alguns dias depois cartas apócrifas chegaram às redações de imprensa dando conta que o maior destacamento de elite da PM na época, o CME (Comando de Missões Especiais), estava envolvido. Cogitei até passar meus poucos clientes da época pra amigos de confiança, pois estava com medo de sair de casa. Mas respirei fundo e não passei.

Precisei ficar algumas semanas em casa de parentes até achar um lugar pra me mudar com minha irmã mais nova, já que não tínhamos mais condições emocionais de permanecer na mesma casa que morávamos com meu pai. E todo aquele segundo semestre de 2012 foi tomado pela brutal ansiedade, pelo acompanhamento das notícias (que saíam toda semana), pelos protestos e manifestações em prol da celeridade das investigações. Havia muito medo que o tempo e a influência dos investigados conseguissem abafar as coisas e que a Polícia por fim arquivasse o inquérito.

As primeiras prisões ocorreram em fevereiro de 2013. O que por um lado foi um alívio, por outro deu início a mais uma etapa do inferno: a guerra dos habeas corpus e na imprensa. Maurício Sampaio entrou e saiu da cadeia três vezes, com direito a desembargador de Câmara Cível sendo movido pra Criminal especificamente no seu HC; desembargador não descendo pra sessão quando o empate beneficiaria o réu; padre Luiz Augusto visitando o réu e gabinete de desembargadores; e por fim depoimento tomado às escondidas e forjado pelo delegado Manoel Borges.

Tudo isso acompanhado a muito custo e sempre denunciado por nós. E quantas vezes e com que desgosto ainda precisei tirar dias pra escrever artigos e respostas contra jornalistas que, traindo a própria classe, defendiam Sampaio nos jornais. Aquele primeiro semestre de 2013 foi tomado por essa luta, da qual fizeram parte ainda as audiências de instrução do processo, antes das quais eu nem dormia. Nos meses seguintes precisamos ainda nos ocupar da captura e extradição do réu Marquinhos, que fugira pra Portugal após irresponsável soltura do juiz Antônio Fernandes.

Paralalamente, ingressamos com Ação Popular contra a permanência de Sampaio no então 1º Cartório de Protestos da Capital, pois um assassino de jornalista não poderia tentar garantir sua impunidade usando milhões arrecadados irregularmente da população em uma serventia pública. Felizmente, a essa ação seguiram-se Ações Civis Públicas do MPGO, e o ex-Presidente do Atlético acabou definitivamente afastado do cartório. Inclusive, se o concurso andou e hoje os cartórios da capital estão ocupados pelos aprovados, deve-se muito a essa nossa iniciativa.

Essa luta em específico foi especialmente reveladora, pois o CNJ precisou aposentar compulsoriamente um juiz, Ari Ferreira de Queiroz, quando demonstrou-se sua sistemática atuação para beneficiar Sampaio, o que deixa clara a influência do ex-cartorário no TJGO. A influência chegava até ao STF, que, pela caneta do Ministro Lewandowski, chegou a retirar o concursado e voltar Maurício pro cartório em janeiro de 2016; e chegou a anular parte do caso Valério Luiz em dezembro de 2018. Felizmente, ambas as decisões foram revogadas apenas alguns dias depois.

Faço esses breves apontamentos para ilustrar o que já tivemos de passar pra chegar até aqui, a quantidade absurda de tempo e energia gastos simplesmente pra que um bom homem baleado no meio da rua por dar sua opinião não seja algo que fique por isso mesmo. Sabe, até nossa Filosofia nasceu de um trauma. Platão pensou que, se a opinião da cidade foi matar seu mestre Sócrates, então a opinião da cidade não valia nada. Da mesma forma, se a Justiça goiana, com todos os seus prédios, não conseguir fazer justiça por um inocente, igualmente não vale nada.

Sempre fizemos manifestações neste 5 de julho, mas neste ano vamos guardá-las para o segundo semestre, que é quando vence o prazo dado pelo Tribunal do nosso Estado para marcar o Júri Popular no caso Valério Luiz. Quem convive comigo sabe o quanto me tornei uma pessoa mais pesada, o preço emocional e prático de todos esses anos, de como é viver como se uma sombra pesasse sobre si todos os dias. Mas também aprendemos a lutar muito bem, e podem esperar a voz de meu pai soar ainda mais alto contra aqueles que tentaram calá-la a balas.

Por agora, peço que compartilhem essa publicação o quanto puderem, vocês que nunca nos abandonaram. Compartilhem como o primeiro passo dessa última fase rumo à Justiça, para mostrarmos que esta, mesmo tão difícil, rara e pouco vista, é, para aqueles que lutam, pelo menos possível. Tenho certeza que ainda abraçarei muitos que caminharam conosco nesta missão que não escolhemos, mas que nos escolheu. Vou olhar no rosto de cada um com o orgulho de termos nos comportado à altura do desafio dado pela vida. E onde quer que meu pai esteja, finalmente descansará em paz.

#JustiçaPorValério

Nenhum comentário: