domingo, 9 de dezembro de 2018

João de Deus é acusado Por Doze Mulheres de Abuso Sexual

A coreógrafa holandesa Zahira Leeneke Maus disse que decidiu revelar o abuso sofrido por João de Deus para encorajar outras mulheres que passaram por situação semelhante a denunciarem o médium. Em nota enviada por sua assessoria de imprensa, João Teixeira de Faria, conhecido como João de Deus, informa que "rechaça veementemente qualquer prática imprópria em seus atendimentos". 


“Eu realmente espero poder ajudar outras mulheres a saírem dessa sombra, porque nós não precisamos sentir vergonha. Ele tem que sentir vergonha. E todas as pessoas que o protegem para que ele continue fazendo o que faz", declarou Zahira em entrevista ao programa Conversa com Bial na sexta (7). 

O apresentador Pedro Bial e a repórter Camila Appel entrevistaram 10 mulheres que relatam ter sofrido abusos por parte do médium. O jornal "O Globo" investigou o caso por 3 meses e ouviu também outras 3 mulheres que denunciaram abuso. 

Médium João de Deus é acusado de abusar de mulheres
Jornal Nacional


Médium João de Deus é acusado de abusar de mulheres 


A holandesa contou que demorou a ter coragem de revelar o abuso. Ela diz ainda que, depois de fazer uma postagem em uma rede social contando sobre o caso, viu que não era a única vítima de João de Deus. 


"Sei que eu tenho sido criticada. ‘Por que vocês está vindo com a sua história, se ele está curando milhares de pessoas?’ E essa é uma das razões por que eu nunca disse nada. Porque, se fosse só eu, eu que engula, porque ele tá curando milhares de pessoas, certo? Mas agora eu sei, ele tá abusando de centenas de mulheres e meninas. E eu espero trazer luz onde há escuridão. É isso, trazer luz", afirmou. 


João de Deus na Casa Dom Inácio, em Abadiânia, Goiás, em foto de 2015 — Foto: Reprodução/ TV Anhanguera 


Zahira disse que ouviu falar de João de Deus por intermédio de um amigo e que esteve mais de uma vez em Abadiânia, em busca de espiritualidade e de cura para um trauma sexual. Ela chegou a ser treinada para ser médium. 


De acordo com a holandesa, numa das vezes em que esteve em Abadiânia, foi convidada para uma consulta particular com João de Deus. Na ocasião, segundo Zahira, o médium a levou até um banheiro, na sala dele, e se posicionou atrás dela. Foi quando o abuso aconteceu. 


"Aí ele agarrou minha mão direita e a colocou por trás de mim na calça dele. E eu fiquei, tipo... tem esse momento em que você congela. Por que isso está acontecendo? Por que eu tenho que tocar no seu pênis, para ser curada? Ele tem um sofá grande no banheiro. Ele me levou até lá e me botou de joelhos na frente dele. Ele abriu a calça e colocou minha mão no pênis dele. E ele começou a movimentar a minha mão em cima do pênis dele. E eu estava em choque. Eu ainda não posso acreditar nisso. Mas eu estava congelada. E ele continuava falando, conversando, falando sobre minha família. Você está sendo manipulada a acreditar, enquanto ele estava me analisando ou fazendo alguma coisa. Aí ele disse: 'Você deveria sorrir. Você deveria se sentir feliz'. E eu: 'eu não sinto nenhuma alegria'. Isso não é o motivo de eu estar aqui. Aí ele estava se limpando, fechando as calças de novo, ele me levou pro escritório de novo, ele me botou no sofá, abriu um armário com pedras preciosas e disse que eu poderia escolher uma. É como se fosse um pagamento. Isso é um pagamento? O que está acontecendo aqui?”, relatou a holandesa. 

Após denúncia contra João de Deus, outras vítimas relataram abusos
Jornal Nacional














"Pegava na minha mão para eu pegar no pênis dele. (...) Ele falava: 'Põe a mão, isso é limpeza. Você precisa dessa limpeza, é o único jeito de fazer isso'", disse uma mulher que procurou João de Deus para cura espiritual.


De acordo com Zahira, ao ouvir os relatos de outras mulheres, ela percebeu que “existe um sistema. A primeira coisa é 'vire de costas, eu vou te curar'. Existe um padrão (...) Você é manipulada a acreditar na cura”. No entanto, ela foi a única que contou ter sido penetrada por João de Deus. 


Segundo uma das mulheres, o médium demonstrou saber que aquilo que estava fazendo com ela poderia ser considerado assédio sexual. 



"Calma, eu não estou com tesão, mas preciso fazer isso para te curar", uma delas relatou ter ouvido de João de Deus durante o abuso. 


O Globo apura que outras mulheres denunciaram terem sido abusadas por João de Deus
Jornal Hoje




O Globo apura que outras mulheres denunciaram terem sido abusadas por João de Deus 


Ameaças de morte

Amy Biank é coach espiritual e autora americana que levava pessoas em peregrinação para a Casa Dom Inácio de Loyola desde 2002 e também participou do programa de Bial na sexta. Ela disse que uma vez, quando acompanhava um grupo a Abadiânia, ouviu um grito de socorro, entrou na casa e viu João de Deus forçando uma jovem a fazer sexo oral nele. Em seguida, segundo Amy, ele pediu que a ela que fechasse os olhos e sentasse. 


"Eu vi que ele estava com a calça aberta, ela estava ajoelhada. Ela não estava querendo fazer sexo oral nele, foi por isso que ela gritou. Mas eu sentei no sofá e fechei meus olhos, porque eu estava tão doutrinada a achar que aquilo tudo era divino e especial." 


Ammy disse que, depois, cruzou com João de Deus numa pousada da região. 



"Mais tarde ele veio até a pousada em que estávamos, porque ele sabia que eu tinha visto, e aí ele chegou e disse: 'Quando eu sou o João, eu sou somente um homem. E homens têm necessidade. Um homem é somente um homem'", contou Ammy.




De acordo com a coach espiritual, as pessoas que trabalham com o médium sabem do que acontece e que quem tenta denunciar acaba saindo da Casa por medo, já que ele é um “homem muito poderoso”. Ela afirmou que também sofreu ameaças de morte. 





Denúncias




A promotora de Justiça do Estado de São Paulo Silvia Chakian pede que todas as pessoas que se sentirem vítimas não tenham medo e denunciem o médium. "Daqui para frente, todos os casos são processados mediante ação penal pública e o titular dessa ação penal é o Ministério Público. Aí a importância de todos esses casos chegarem ao conhecimento do MP sempre", disse ela em entrevista ao Jornal Hoje.


Silvia reforça que, independente de quando o abuso aconteceu, a vítima pode denunciá-lo. “Em casos como esse, fica muito claro como o prazo era insuficiente para mulheres que sofrem e demoram, muito mais de seis meses, para se compreenderem como vítima de violência. É próprio do pós-trauma essa demora em denunciar”, afirmou. 



O que é considerado crime




Gabriela Manssur, promotora de Justiça do Estado de São Paulo, diz que, segundo a legislação penal, o ato sexual compreende qualquer ato que a pessoa faça para a satisfação de seu desejo sexual. Não precisa ser necessariamente a conjunção carnal. Pode ser, por exemplo, apalpar a pessoa. 


"Não há necessidade de violência física, há situações em que essa violência está presumida. Mas, se a mulher não conseguir por alguma circunstância oferecer resistência e evitar que isso ocorra, pode ser considerado estupro uma violência presumida em situação de vulnerabilidade temporária naquele momento do ato sexual", diz Gabriela. 


A lei aborda a questão da violação sexual mediante fraude, chamada de estelionato sexual, e situações de estupro mediante violência presumida, que são essas situações de vulnerabilidade. 


"Na violação sexual mediante fraude, essa mulher acaba consentindo com a relação sexual, ela está sendo enganada, então ela acaba tendo esse consentimento viciado, ela não está manifestando a sua vontade livre e consciente. Esse poderia ser um estelionato sexual. E há a questão da vulnerabilidade, quando ela não consegue oferecer resistência, mas está sendo contra a vontade dela, ela não queria fazer aquilo, mas ela não consegue oferecer resistência, porque alguma circunstância tirou essa possibilidade de manifestar seu consentimento", explica a promotora. 


Casa Dom Inácio de Loyola abre normalmente após denúncias de abuso contra João de Deus
JA 1ª Edição








Casa Dom Inácio de Loyola abre normalmente após denúncias de abuso contra João de Deus 


O que diz João de Deus


O G1 tentou contato, no sábado (8), por telefone, com a assessoria de imprensa de João de Deus . No entanto, as ligações não foram atendidas. 


Ao programa Conversa com Bial, a assessoria do médium afirmou, em nota, que "há 44 anos, João de Deus atende milhares de pessoas em Abadiânia, praticando o bem por meio de tratamentos espirituais. Apesar de não ter sido informado dos detalhes da reportagem, ele rechaça veementemente qualquer prática imprópria em seus atendimentos". 


Trajetória do médium


João Teixeira tem seguidores famosos e já recebeu visita de personalidades como a apresentadora americana Oprah Winfrey. Ele foi apadrinhado por Chico Xavier e, antes de fundar a Casa Dom Inácio, em 1976, peregrinava pelo país fazendo cirurgias espirituais, segundo reportagem do jornal "O Globo". 


No início do seu trabalho, João de Deus foi alvo de denúncias de exercício ilegal da medicina. Depois, também foi acusado de sedução de uma menina menor de idade. Foi absolvido por falta de provas. 


De acordo com a revista "Época", o religioso já foi acusado também de atentado ao pudor, contrabando de minério e assassinato. Em nenhum dos casos foi julgado culpado. 


Ele nasceu em Cachoeira da Fumaça (GO), filho de um alfaiate e uma dona de casa. Estudou até o segundo ano do ensino fundamental. Tem 11 filhos – cada um com uma mulher diferente. A revista "Época" diz que alguns deles são evangélicos, e não seguem a espiritualidade atribuída ao pai. João de Deus rejeita o rótulo de santo ou de ser um homem especial.

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