Sebastião Ferro é Dirigente do Ipasgo e Dono de Hospital Que Presta Serviço Ao Instituto

Ministério Público vai investigar se há conflito de interesse no fato de o médico ser o fiscalizador e o fiscalizado

Sebastião Ferro – Médico é diretor do Ipasgo e sócio de hospital que presta serviço ao instituto

Denúncia de conflito de interesse no Ipasgo - Instituto de Assistência dos Servidores Públicos do Estado de Goiás – levou a Rede Clube de Comunicação a apurar a situação do médico Sebastião Ferro de Moraes, que ocupa a cadeira de diretor de Assistência ao Servidor na autarquia, e seria, ao mesmo tempo, um dos sócios do Hospital e Maternidade Jardim América.

A princípio, a denúncia seria falsa, uma vez que o Hospital Jardim América não consta na planilha de pagamento do Ipasgo. Mas a reportagem constatou que, estranhamente, o CNPJ: 02.852.861/0001-23, que aparece no site da transparência de Goiás relacionado ao Laboratório Jardim América, na Receita Federal, Junta Comercial do Estado de Goiás (Juceg) e no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), consta como sendo do Hospital e Maternidade Jardim América. No entanto é bem verdade que no CNES, o hospital tem autorização para atuar como laboratório.  

Publicamente, o Laboratório Jardim América – que tem o mesmo CNPJ do Hospital Jardim América - é de propriedade de Júlio Eduardo Ferro, mas na Juceg consta que  23,76% das ações do Hospital e Maternidade Jardim América estão no nome de Sebastião Ferro.

É também o nome de Sebastião Ferro que está estampado no site do Ipasgo como diretor de Assistência ao Servidor, cargo subordinado à Presidência e aos conselhos do órgão. De acordo com o regimento interno Ipasgo, a Diretoria de Assistência é responsável por viabilizar o acesso aos serviços credenciados para assistência médica, hospitalar, ambulatorial, laboratorial, odontológica, psicológica, fisioterápica, fonoaudiológica e nutricional aos usuários titulares e seus dependentes. Além disso, deve realizar procedimentos para gerenciamento e ampliação da rede credenciada, quando necessário, por meio de editais de credenciamento, bem como para o cadastramento de fornecedores de serviços da área da saúde em geral.

Outra função do diretor de Assistência é avaliar reclamações, denúncias e sugestões registradas pela Ouvidoria do Ipasgo e Ouvidoria Geral do Estado, no que se refere aos prestadores de serviços e, quando necessário, formalizar processos, encaminhando-os à Comissão Permanente de Controle e Avaliação (CPCA). Cabe ainda a Sebastião Ferro auditar contas médicas, laboratoriais, hospitalares, ambulatoriais, odontológicas, psicológicas, fisioterápicas, fonoaudiológicas e nutricionais, bem como realizar medidas para coibir e corrigir eventuais não conformidades ou irregularidades.

Fernando Carneiro, procurador do MPC: “Essas atribuições, em princípio, entram em conflito de interesses entre o serviço público e a iniciativa privada”

“Essas atribuições, em princípio, entram em conflito de interesses entre o serviço público e a iniciativa privada”, diz o procurador do Ministério Público de Contas do Estado de Goiás (MPC-GO), Fernando Carneiro, consultado pela reportagem.

O procurador explica que conflito de interesse tem definição dada pela entidade internacional Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE. Também foi adotado pelo Palácio do Planalto na Resolução nº 8, de 25 de setembro de 2003. No âmbito estadual, ele lembra o decreto 5.402/01, que é uma espécie de código de ética para a alta administração pública. Nesses termos, Fernando Carneiro cita que o conflito de interesses está diretamente relacionado com o dever público e os interesses privados do servidor público. “Se ele tem aquela autorização para fiscalizar, a princípio, sendo dono ou acionista de hospital, existe conflito de interesse. Não necessariamente um conflito de legalidade, mas um conflito ético”, diz o procurador Fernando Carneiro.

Crescimento extraordinário

De acordo com a transparência do Ipasgo (consulta feita no dia 25 de março), a participação da empresa de Sebastião Ferro nos pagamentos do instituto cresceu muito mais que a dos quatro maiores credores do instituto. Os números não comprovam algum tipo de favorecimento à empresa do médico, mas a evolução dos valores não deixa de impressionar. No ano de 2009, o CNPJ do hospital-laboratório não aparece na transparência estadual. Em 2010, foi repassado pelo Ipasgo à empresa de Sebastião Ferro R$ 44.907,11. Já em 2011, o valor do pagamento feito à empresa é de R$ 910.643,39. Surpreendentemente, o valor salta para R$ 4.832.064,98 em 2012. A empresa cresceu mais de 10 mil percentuais em dois anos em relação à participação de pagamento do Ipasgo com pessoa jurídica. Fernando Carneiro afirmou que os valores são extraordinários e, por esse motivo, seria necessária uma fiscalização “Isso daí causa uma preocupação, pois foge completamente à média”.

Ainda segundo a transparência do Estado, sob a nomenclatura laboratório o CNPJ do Hospital Jardim América atende ao Ipasgo no item 3.3.90.39.23, que é o serviço médico, hospitalar, odontológico laboratorial. Seguindo esse parâmetro, a reportagem escolheu aleatoriamente outras quatro empresas que prestam o mesmo tipo de serviço, apresentam o nome de laboratório e que, no ano de 2010, receberam pelo serviço prestado valores aproximados ao do Hospital Jardim América. O crescimento da empresa de Sebastião Ferro também ficou acima da média das outras empresas. Para preservar as empresas que serviram apenas para comparação, não vamos divulgar seus nomes, mas os dados podem ser conferidos no portal do governo estadual. 

Para o promotor Fernando Aurvalle da Silva Krebs, da 57ª Promotoria do Ministério Público de Goiás (MP-GO), a falta de ética na relação entre o médico e o Ipasgo é evidente, uma vez confirmada as informações. Resta saber se a evolução dos valores pagos apresenta alguma irregularidade. Segundo Fernando Krebs, a denúncia será distribuída e encaminhada para a instauração de um processo civil público e, em seguida, será procedida uma investigação. Ele ainda vai pedir o apoio da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra a Administração Pública para averiguar se algum crime foi cometido.

Fernando Krebs, promotor: “A denúncia será distribuída e encaminhada para a instauração de um processo civil público”

Além dos problemas éticos envolvendo diretamente o diretor de Assistência do Ipasgo, o filho de Sebastião Ferro, Júlio Eduardo Ferro, consta como proprietário de um plano de saúde, o América Planos de Saúde.

Em nota, a assessoria do Ipasgo confirma que Sebastião Ferro de Moraes é sócio do Hospital e Maternidade Jardim América, tendo se afastado de todas as suas funções na empresa desde que se candidatou à prefeitura de Paraúna e, novamente, desde 2011, antes de assumir uma diretoria no Ipasgo.

A reportagem ligou no hospital Jardim América para saber se Sebastião Ferro atua em alguma área. A gravação revela que além de atender como médico, ele continua atuando na unidade hospitalar. No site, o nome do médico também aparece como integrante do corpo clínico. 

A assessoria afirma que Hospital e Maternidade Jardim América tem recebido o mesmo tratamento dedicado à rede prestadora do Ipasgo e que a evolução do faturamento reflete o pagamento de parcelas devidas ao hospital que ficaram concentradas nos anos de 2011 e 2012 e que é compatível com os serviços prestados. Quanto ao conflito de nomes no CNPJ referido, a assessoria não explica e diz que a questão deve ser encaminhada aos gestores do portal citado.

Por fim, a assessoria informa que não foi demandado, nem formal nem informalmente sobre o assunto. E que esteve sempre aberto para prestar todo e qualquer esclarecimento necessário, junto ao Ministério Público e outros organismos de controle.

Para conferir os valores citados nessa reportagem qualquer pessoa pode acessar os sites: www.transparencia.goias.gov.br, nesse endereço acessar a janela de empenhos e pagamentos; www.ipasgo.go.gov.br, acessar o link da transparência do Ipasgo.

Fonte: Portal 730