sexta-feira, 1 de junho de 2018

Artigo Policial: Investigadores Biônicos?

Por Yasmine Caroline Viana Soares

Arma? Algemas? Colete a prova de balas? Qual a ferramenta pessoal mais utilizada pelos investigadores policiais? A resposta é: o Smartphone, um dispositivo extraoficial.


Muito se fala da utilização dos celulares de suspeitos para acesso a dados que os incriminem – tipo mensagens, localização, conversas interceptadas, lista de contatos, etc. – mas pouco (nada, na verdade) é dito sobre o uso que os agentes da lei fazem de seus próprios aparelhos pessoais para facilitar seu serviço. Estes equipamentos representam uma revolução na atividade dos investigadores em campo.


Nos filmes mais antigos do Agente Secreto 007 apareciam incríveis dispositivos de espionagem, da época da Guerra Fria: câmeras fotográficas que cabiam na palma de uma das mãos, rastreadores, gravadores embutidos em outros objetos, radiocomunicadores… uma parafernália que tinha que ser transportada e usada ocultamente. Naquele tempo, a ideia de que um único aparelho, disseminado para todo mundo, tivesse todos esses recursos e muito mais, era uma improbabilidade de cenário futurista de ficção científica, talvez nem sequer sonhado por Ian Fleming quando criou o personagem James Bond, em 1953.


Um smartphone é um computador portátil, com as possibilidades somadas de um microcomputador, de um telefone, de uma filmadora, uma máquina fotográfica, uma TV e muito mais, com a enorme vantagem de caber no bolso. A tecnologia móvel do smartphone facilita, num aparelho pequeno, discreto e leve, trabalhar as três etapas de uma investigação – coleta de informações, seu processamento e final produção de conclusões – sem ocupar espaço nem chamar a atenção, já que é um “assessório” comum, que todos estão habituados a usar e ver os outros portando.


O Smartphone no dia a dia da atividade

Equipes de policiais investigadores estão na rua. Utilizando o smartphone, o delegado manda, via Whatsapp, mensagem no grupo funcional informando o primeiro nome de um suspeito e o nome da empresa que possui. Uma das equipes dá ciência e diz que vai tentar localizá-lo.

Começa a fase de pesquisa: lançando o nome da empresa na busca avançada do Google (sempre usando o smartphone), os policiais conseguem o endereço e o número do CNPJ. Com o número, consultam o site da Receita Federal e visualizam outros detalhes da empresa, como telefone, nome do contador, e-mail e quadro societário (com nome completo dos sócios).


Identificado o nome do suspeito e fazendo o cruzamento do dado com o nome da empresa – em uma busca avançada do Google – chegam ao seu número de CPF. Acessando um site policial restrito, alcançam informações completas de qualificação: fotografia, número do documento de identidade, nome dos pais, endereço residencial, veículos registrados, “passagens” policiais, etc.


Vendo que há um mandado de prisão contra o suspeito, “printam” a tela e enviam para o chefe, via Whatsapp, que determina a tentativa de cumprimento.

Os investigadores lançam o endereço da empresa no Waze ou no localizador do Google que vai guiando-os. É uma revendedora de veículos. Passando por compradores, pedem para falar com o suspeito com a desculpa de pedir um desconto especial na compra de certo modelo. Ficam sabendo que ele não está, se despedem prometendo voltar. Assim que saem, falam com o delegado via aplicativo. Alimentam novamente o localizador – agora com o endereço da casa do procurado.


Acessando um site pago de inteligência comercial ficam sabendo dos possíveis parentes do suspeito, com endereço e telefone, e também informações sobre vizinhos, o que permite, por exemplo, estimar quantas pessoas podem residir com o procurado e qual a dificuldade da operação de prisão naquele lugar.

Via Google Maps ou Google Earth veem o endereço de cima, identificando possíveis rotas de deslocamento da equipe e de fuga do suspeito, o que permite a preparação dos policiais para a entrada e sua movimentação no terreno quando já dentro.


O Street View dá detalhes antecipados das fachadas das casas, das lojas, ruas, etc., sendo possível visualizar, inclusive, quais muros têm câmeras de segurança instaladas.


Chegando ao local a equipe identifica, estacionado na porta, um dos veículos registrados em nome do suspeito. Envia mensagem para o delegado pedindo apoio de outra equipe. O chefe responde que não pode mandar ninguém. Os investigadores telefonam para a Polícia Militar e solicitam apoio. Mandam a localização via Whatsapp.


Equipes acertadas, os investigadores tocam o interfone e chamam o suspeito. Chegando ao portão é preso e autoriza, expressamente, uma busca na casa. Uma arma é encontrada. O número de registro é checado via site. Toda ação é filmada com o aparelho de um dos policiais. Documentos pessoais e evidências apreendidas são fotografados e as imagens enviadas para o grupo da delegacia, para que a escrivã vá adiantando os registros até a chegada do preso.


Ainda usando o “telefone”, outras pessoas presentes e alguns veículos na garagem (fora os já pesquisados) são checados.

Retornando à delegacia os policiais pedem, via aplicativo, que sejam providenciados documentos obrigatórios, como a Guia de Recolhimento de Preso e a Requisição de Exame de Corpo de Delito, para agilizar o serviço. O retorno é guiado pelo Waze, que determina a rota mais rápida e com menos trânsito. Os policiais informam, via mensagem, suas famílias sobre atraso em virtude da operação.


O relatório e o release da diligência para a imprensa podem ser feitos e enviados por telefone (e elogios também podem ser recebidos por ele).


1001 utilidades

Além das possibilidades citadas no exemplo, o smartphone faz muito mais:


– Pode funcionar como uma assessoria de comunicação portátil, permitindo recebimento e envio de imagens, vídeos, mensagens, releases, documentos, livros, etc. – via redes sociais, sites, blogs, vlogs, e-mail …

– também permite chamadas telefônicas;

– tem lanterna, agenda (para audiências, cursos, diligências, etc.), calculadora, relógio, cronômetro , despertador;

– é possível acessar cursos, aulas, vídeos e textos instrucionais;

– coleciona banco de imagens (placas, pessoas, veículos, etc.), contatos, e salva documentos, vídeos;

– permite acompanhamento de interceptações telefônicas de investigados em tempo real (autorizadas judicialmente), através do “desvio”.

– é rastreável;

– guarda modelos (de relatórios, por exemplo);

– possibilita utilização de tradutor;

– dá para ditar algo, que é automaticamente convertido em texto, bastando uma ‘ediçãozinha’ depois;

– é o meio mais discreto de filmar/fotografar (inclusive com zoom e possibilidade de edição) sem chamar a atenção;

– permite repassar, em tempo real, imagens de suspeitos e situações de risco (exemplo: vigilância comunitária)

– facilita disparar mensagens emergenciais para grupos específicos (roubo de viatura, necessidade de apoio, etc.).

– pode ter aplicativo de denúncias ou pode ser o número direto para ligações disque-denúncia;

– serve até como wi-fi.


Biônicos sem saber

Biônica é a pessoa “cujo desempenho biológico é reforçado por meio da eletrônica ou da cibernética”. Diante do que foi dito, você tem dúvida de que o desempenho cerebral e comunicativo do investigador é turbinado – e em algumas tarefas até substituído – pela utilização do smartphone? E mais, que o aparelho pode ser considerado hoje uma extensão da pessoa?


Levando ao pé da letra chegamos a uma conclusão: nossos investigadores policiais são, sim, biônicos. Para entender a extensão das suas possibilidades é só pensar qual seria o tempo, o esforço e os recursos gastos para que os investigadores, sem o smartphone, realizassem a prisão que retratamos (com a mesma qualidade e coleta de informações).


Se não há cursos nem publicações específicos sobre a utilização do smartphone pessoal dos investigadores é porque ninguém sequer tinha se dado conta do quanto facilita o trabalho. O aparelho é uma daquelas tecnologias que mudou nosso modo de fazer as coisas sem que notássemos, tão naturalmente que nem nos lembramos como tudo era feito antes dela.


Os investigadores estão mudando sem ver, muito graças a um aparelhinho minúsculo: o smartphone. Num cenário de combate a crimes cada vez mais elaborados e tecnológicos, é bom saber que temos agentes biônicos do nosso lado.

Yasmine Caroline Viana Soares é Policial Civil em Goiás há 13 anos, atualmente lotada na DOT; articulista; formada e pós-graduada em Direito e em Educação Física; coautora do Manual do Relatório de Investigação Criminal, publicado online; agraciada pela Assembleia Legislativa do Estado de Goiás com a Medalha do Mérito Legislativo Pedro Ludovico Teixeira, pelos relevantes serviços prestados à Segurança Pública (2009).

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