Há prefeituras que precisam de carro de som.
E há prefeituras que parecem precisar de um exército de carros de som — pelo menos é o que sugere o Pregão Presencial nº 014/2025, lançado pela Prefeitura de Fazenda Nova.
Meio milhão de reais.
Para um município com pouco mais de 6 mil habitantes.
Mas isso é apenas a porta de entrada para uma sequência de inconsistências que transformam o edital em um manual de como não gerir o dinheiro público.
Horas estimadas: um delírio matemático
O edital prevê 6.633 horas de publicidade volante.
Para entender o tamanho do absurdo:
- 6.633 horas equivalem a 276 dias rodando 24 horas por dia, sem parar.
- Ou, em horário real de trabalho (8h/dia), seriam 829 dias úteis.
- Ou seja: mais de dois anos de serviço num contrato previsto para apenas um ano.
A conta não fecha.
Na verdade, ela nem deveria existir.
Essa superestimação — prática conhecida e constantemente condenada pelo Tribunal de Contas da União — abre brecha para:
- superfaturamento,
- contratação fictícia,
- execução impossível de fiscalizar,
- e amplas margens para uso político da máquina pública.
Num município do porte de Fazenda Nova, o valor e as quantidades simplesmente não têm aderência à realidade.
Carro de som como ferramenta política?
Estamos em 2025 — o ano imediatamente anterior ao calendário eleitoral nacional.
E, se há algo que prefeitos historicamente adoram, é transformar carro de som em:
- propaganda institucional disfarçada,
- exaltação de obras mínimas,
- promoção pessoal de gestor,
- e, claro, pré-campanha não declarada.
O edital não impõe regras para:
- finalidades das mensagens,
- tipo de conteúdo permitido,
- limites de uso,
- critérios de controle.
Na prática, o prefeito ganha um cheque em branco para rodar a cidade inteira com o carro de som que ele quiser, falando o que quiser, quando quiser — e a conta fica para o contribuinte pagar.
Edital com cheiro de direcionamento
A estrutura burocrática do pregão chama atenção:
- Exigências documentais excessivas,
- Credenciamento restritivo,
- Declarações separadas em envelopes distintos,
- Rigor apenas formal,
- Ausência de exigências técnicas reais.
Esse modelo não serve para garantir lisura.
Serve para eliminar concorrentes indesejados.
O edital não exige:
- frota própria,
- atestado de capacidade técnica,
- experiência prévia,
- comprovação de equipamentos adequados.
Traduzindo: qualquer empresa recém-criada por um aliado político pode vencer.
É o terreno perfeito para:
- CNPJs de fachada,
- empresas de amigos,
- sócios ocultos,
- prestadores ligados politicamente ao prefeito.
Termo de Referência insuficiente e ausência de critérios objetivos
A Lei 14.133/21 exige:
- estudo técnico,
- planejamento,
- justificativa de quantitativos,
- critérios claros de fiscalização.
Mas o Termo de Referência da Prefeitura de Fazenda Nova não fundamenta nada:
- Não explica por que são necessárias 6.633 horas.
- Não justifica frequência ou rotas.
- Não define metodologia de comprovação do serviço.
- Não detalha necessidade das secretarias.
- Não fixa limites máximos por período.
Sem essas informações, o contrato fica impossível de auditar.
É exatamente assim que contratos de publicidade sonora se transformam em um dos ralos clássicos de dinheiro público.
Responsabilidade direta do prefeito Marcos Vinícius
Marcos Vinícius, advogado e empresário, está no comando de um processo que:
- viola princípios constitucionais,
- afronta a Lei 14.133/21,
- apresenta potencial dano ao erário,
- abre margem para direcionamento,
- e pode configurar uso eleitoral indevido da máquina pública.
É importante lembrar:
O decreto-lei 201/67 e a Lei de Improbidade responsabilizam o agente público mesmo se o dano não se consumar — basta o risco.
E aqui o risco não é pequeno.
É gritante.
⚠️
O silêncio do edital grita mais que suas cláusulas
Quando um edital:
- estima mais horas do que o ano comporta,
- não justifica quantidades,
- não define fiscalização,
- não exige critérios técnicos,
- e ainda estrutura barreiras inauditas ao acesso de concorrentes,
não estamos diante de incompetência.
Estamos diante de uma engrenagem cuidadosamente montada.
📝
O que o Ministério Público precisa responder
Este pregão deixa perguntas inevitáveis:
- Por que Fazenda Nova precisa de meio milhão de reais em carro de som?
- Quem solicitou 6.600 horas de serviço? Qual secretaria? Com qual justificativa?
- Como será comprovada a execução?
- Qual o histórico da empresa vencedora?
- Quantas empresas tentaram participar e foram eliminadas por formalismo?
- Há conexão política entre sócios da empresa vencedora e a gestão municipal?
- Este contrato será usado para publicidade institucional ou para autopromoção do prefeito?
O Ministério Público tem base suficiente para:
- instaurar Notícia de Fato,
- requisitar o processo completo,
- auditar quantitativos,
- avaliar superfaturamento,
- verificar vínculos de empresas,
- e, se necessário, recomendar suspensão da Ata de Registro de Preços.
🧨
Conclusão: o carro de som de Fazenda Nova está alto demais — e não é por acaso
A população precisa perguntar:
Quem ganha com esse pregão?
Certamente, não é o cidadão.
Fazenda Nova não precisa de 276 dias de carro de som.
Não precisa de R$ 547 mil em propaganda volante.
Não precisa de licitações sem critérios.
Precisa de transparência.
Precisa de responsabilidade.
Precisa de fiscalização.
E, diante deste edital, precisa — urgentemente — de respostas.





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