quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Demóstenes Torres : A Volta do Autoritarismo e da Censura



Demóstenes: a volta do autoritarismo e a irresistível tentação de censurar


Em artigo publicado no site nacional Poder 360, editado pelo jornalista Fernando Rodrigues, o advogado e ex-senador Demóstenes Torres registra escalada do autoritarismo, aponta ataques à liberdade de imprensa e identifica uma irresistível tentação de censurar.

Veja o artigo de Demóstenes Torres

É inegável que a polarização política em que se encerrou o país na última década fez o autoritarismo perder a timidez. Na disputa de narrativas, “direita” e “esquerda” invocam para si o monopólio da virtude e da verdade. Como o meio termo é inacessível e a conciliação parece não estar próxima, aparatos estatais são utilizados para calar as vozes dissonantes.



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Exemplos sólidos do autoritarismo são as diversas denúncias oferecidas contra pessoas que ousam pronunciar-se de acordo com sua consciência. Simbólica é a denúncia ofertada em desfavor do presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, por ter ele supostamente ofendido o hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. O abuso é tão intenso que se pretendeu até mesmo afastá-lo da Presidência da Ordem, que deve(ria) ser um órgão independente e livre de ingerência do Ministério Público Federal. Óbvio que a tentativa fracassou; mas a intenção que subjaz a tais atos e a coragem com que são praticados, sem que se importem com qualquer limite legal, são sintomas nucleares de que a pedrada pode atingir qualquer um que ouse, ainda que modestamente, contrapor-se ao pensamento fascistoide.
No mesmo sentido, é a recente denúncia oferecida contra o jornalista Glenn Greenwald. Autor de importantes divulgações envolvendo atos praticados pelos procuradores da Operação Lava Jato, em conluio com o então juiz federal Sergio Moro, foi ele vítima do “centralismo democrático stalinista” ministerial, tendo sido espancado penalmente pela suposta invasão de celulares de autoridades.
E com o agravante de que Glenn tinha em seu favor liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal, que obstava qualquer tipo de investigação criminal contra si, relacionada a tais fatos (interpretação feita por Pedro Bó: mandou não investigar; denunciar, não há alusão). É bom que se esclareça que a investigação tem duas etapas: uma na polícia, chamada de persecutio criminis ou inquérito policial, e outra em juízo, chamada de ação penal ou persecutio criminis in judicio. Vê-se que o episódio é bom teste para a eficácia da nova lei de abuso de autoridade.
Porém, se ainda há juízes em Berlim, no Brasil não é diferente. Não por outra razão, a denúncia dirigida contra o presidente da OAB nacional foi rejeitada pelo juiz federal Rodrigo Parente Paiva Bentemuller, da 15ª Vara da Seção Judiciária do DF, que disse:
Demonstra-se cabalmente que o denunciado não teve intenção de caluniar o ministro da Justiça (animus caluniandi), imputando-lhe falsamente fato criminoso, mas sim, apesar de reconhecido um exagero do pronunciamento, uma intenção de criticar a atuação do ministro (animus criticandi), quando instado a se manifestar acerca de suposta atuação tida como indevida no âmbito da Operação Spoofing por parte de Sergio Moro”.
Quanto ao tacanho pedido de afastamento da Presidência, assentou:
“É descabido falar em afastamento do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, tendo em vista a ausência de cometimento de delito no caso apresentado. Eventual pronunciamento acima do tom por parte de representante da OAB não deve ser motivo para seu desligamento temporário do cargo por determinação do Judiciário, cabendo à própria instituição avaliar, dentro de suas instâncias ordinárias, a conduta de seu presidente, legitimamente eleito por seus pares, através do sistema representativo”.


Não se pode permitir que órgãos estatais se transmudem em típicos Ministérios da Verdade Orwellianos. O filtro a que um veículo de comunicação deve ser submetido é apenas o da opinião pública, tenha a qualidade que tiver. Eventuais excessos se resolvem nas esferas dos crimes contra a honra e ações indenizatórias. E mais, determinado tipo de imprensa é alimentada por vazamentos seletivos e criminosos feitos pelas próprias autoridades investigadoras; estas sim deveriam ser punidas, exemplarmente, fazendo cessar o conluio solerte.
Importante ressaltar que nem mesmo a escolha da linha editorial, ou eventual alinhamento político-ideológico de determinado veículo de comunicação, encontra-se desamparada pela liberdade de imprensa. Não se deve exigir imparcialidade estrita dos veículos de comunicação, não obstante os órgãos estatais devam agir imparcialmente. Proliferam-se, dia após dia, blogs e sites que nitidamente manifestam-se em comunhão com determinada orientação política. Pode-se citar os sites Diário do Centro do MundoConversa Afiada e Brasil247, todos com viés esquerdista. Do mesmo modo, pela direita, encontram-se na internet vários veículos de comunicação, tais quais Saída Pela DireitaVoltemos À DireitaBrasil de Fato, entre outros.
A propósito, ano passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou o trancamento de inquérito instaurado contra os redatores d’O Antagonista, afastando a hipótese de associação criminosa para cometimento de crimes contra a honra do ex-presidente Lula.
Conforme consignou o desembargador Camilo Léllis, da 4ª Câmara de Direito Criminal, os investigados “se reuniam com objetivo de empregar cunho jornalístico àquelas publicações, não configurando o crime de associação criminosa, verificando-se, na hipótese, de exercício de direitos constitucionais, notadamente, liberdade de expressão e opinião”.
Evidente, pois a atividade de comunicação, dentre outras, é livre e prescinde de censura ou licença, de acordo com o artigo 5º, inciso IX, da Constituição de 1988. Não por acaso, mais de 10 anos atrás, o Supremo declarou inconstitucional a Lei de Imprensa, duro resquício do militarismo, ante sua absoluta incompatibilidade com a Carta Magna.
São irregulamentáveis os bens de personalidade que se põem como o próprio conteúdo ou substrato da liberdade de informação jornalística”– disse, em brilhante voto, o ministro Ayres Britto, acompanhado pela maioria– “por se tratar de bens jurídicos que têm na própria interdição da prévia interferência do Estado o seu modo natural, cabal e ininterrupto de incidir”.
O Ministério Público encontra-se, hoje, no dúplice papel de apêndice rançoso do Ministro da Justiça, parafraseando Wanderley de Medeiros, e censor de costumes à procura de algo que pareça afrontar sua ideologia canhestra e ignorância visceral.
O CNMP, de quem se poderia esperar alguma resposta social, tornou-se Ferrabrás do corporativismo –vide arquivamento “de baciada” das representações contra Dallagnol. Não sabemos mais a que linha pertence, apenas que, como diria Millôr Fernandes, “chegou ao limite de sua ignorância; não obstante, prosseguiu”.

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