GOIÁS ESPORTE CLUBE propõe AÇÃO ORDINÁRIA ANULATÓRIA contra JF ESPORTES LTDA, RENATO PADILHA PEREIRA E RAIMUNDO JOAQUIM QUEIROZ, buscando o reconhecimento da nulidade de três contratos de mútuo que teriam sido assinados exclusivamente pelo seu então presidente Raimundo Joaquim Queiroz, celebrados nas datas de 15/07/2004, 12/01/2005 e 28/01/2005, nos quais estão previstos juros remuneratórios de 3% ao mês, e cujo valor total é de R$ 1.636.272,20.
O Autor defende a nulidade dos contratos em razão de suposta simulação, apontando:
a) somente o primeiro deles tem data de vencimento, os demais foram celebrados por prazo indeterminado;
b) foram celebrados, no mesmo ano do vencimento do primeiro contrato, os dois novos contratos;
c) os contratos foram assinados apenas pelo então Presidente do Clube, contrariando regra expressa do art. 55 do Estatuto social;
d) não existe comprovante contábil de que os valores dos supostos empréstimos tenham ingressado em seus nos cofres,
e) a empresa JF Esportes Ltda., não funciona e nunca funcionou no endereço constante de seus registros,
f) a empresa JF esportes Ltda., não é instituição autorizada a realizar empréstimos financeiros;
g) os juros convencionados são usurários.
O Autor pediu o reconhecimento da nulidade e inexigibilidade dos contratos fustigados e pleitearam antecipação de tutela neste sentido, a qual foi negada por este Juízo, mas concedida em sede recursal.
Em suas contestações os Réus defendem que o negócio não foi simulado e se valem de demonstrações contábeis do próprio autor, bem como de auditoria também por ele realizada, para demonstrar que o dinheiro emprestado foi depositado na conta-corrente do clube pela JF Esportes Ltda., através de cheques de terceiros a ela confiados.
Alegam os Requeridos que não era obrigatória assinatura do sr. Silvio de Oliveira, Diretor Financeiro, nos contratos, mas que, mesmo assim, ele compareceu em todos os instrumentos, figurando como testemunha.
Apontam os Requeridos que os empréstimos constam da contabilidade do autor e das prestações de contas do ex-presidente, e também réu, Raimundo Joaquim Queiroz, que foram aprovadas pelo autor.
A JF Esportes Ltda. junta certidão notarial atestando seu funcionamento no local indicado em seus estatutos e acompanhada de fotografia do local.
A Requerida JF Esportes Ltda junta também 'contrato de confissão de dívida e de parceria sobre valores econômicos e financeiros advindos de negociação de atleta profissional de futebol e outras avenças', datado de 08 de janeiro de 2007, onde as dívidas constantes dos três contratos foram renegociadas, e calculadas com acréscimo de juros de 12% ao ano e variação do IGP-M, e tiveram seu valor apurado em R$ 3.004.700,00, o qual foi pago com 50% do valor bruto resultante da negociação do jogador Welliton Soares Morais.
O contrato narra que os direitos federativos de referido jogador haviam sido adquiridos por R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) e que já havia sido feita proposta de US$ 2.000.000,00 (dois milhões de dólares), mas que o Goiás Esporte Clube preferiu não vendê-lo naquele momento porque acreditava que obteria pelo menos o dobro.
Ambos os réus defendem que a presente ação foi proposta em litigância de má fé pelo autor, para retardar indefinidamente o pagamento da dívida.
No curso da ação foi noticiada a instauração de inquérito para apuração de eventual ilícito penal em relação aos fatos, o que motivou a suspensão do processo por um ano.
Posteriormente, foi oferecida denúncia e este Juízo determinou a suspensão do processo na forma do art. 265, IV, a do CPC.
É o breve Relatório. Passo as razões de Decidir.
O conhecimento da presente ação, que é de natureza anulatória e não de reparação de dano causado por ilícito penal, não depende necessariamente da verificação da existência de fato delituoso.
A suspensão do presente feito calcou-se na hipótese do inciso IV, a do art. 265 do Código de Processo Civil, por entender que a anulação ou não do ato jurídico dependia do reconhecimento da existência ou não de simulação, o que poderia ocorrer na ação penal.
Forte reconhecer, entretanto, que mesmo a absolvição na ação penal não teria o condão de eximir o reconhecimento de ilícito civil determinante da nulidade do contrato.
Mas a presente ação está suspensa a mais de três anos, por decisões sucessivas proferidas, restando ultrapassado o prazo máximo de um ano de suspensão permitido pelo parágrafo 5º. do inciso IV do art. 265 do Código de Processo Civil.
Dando normal prosseguimento à ação, verifico possível o julgamento conforme o estado do processo, não havendo necessidade de produção de prova pericial ou testemunhal.
Com efeito, as provas documentais produzidas pelo próprio autor demonstram que ele recebeu os valores objeto dos contratos de empréstimo aqui questionados.
Os extratos bancários e demonstrações financeiras juntados aos autos, e o laudo da auditoria feita pelo autor, apuraram que os depósitos foram realizados na sua conta bancária.
A circunstância da requerida JF Esportes Ltda. ter depositados cheques de terceiros na conta bancária em nada invalida seu crédito.
Lembremos que cheque é meio de pagamento a vista e em face ao princípio da circulação cambial, quem o detém é o titular do crédito por ele representado.
Assim, a JF Esportes Ltda. transferiu ao Goiás Esporte Clube o valor dos cheques de sua titularidade, lhe entregues por terceiro, não resta dúvida de que adimpliu sua contraprestação contratual, cedendo tais importâncias em mútuo e delas ficando credora.
O réu Raimundo Joaquim Queiroz, em sua contestação, explicita detalhadamente como foram depositados na conta do autor o valor relativo a cada um dos três contratos aqui questionados, e junta extratos bancários demonstrando os depósitos. Além disso, a auditoria realizada pelo autor e as cópias de páginas do livro razão de sua contabilidade, comprova a entrada do dinheiro.
Por fim, o valor de R$ 986.272,20 relativo ao contrato datado de 15/07/2004, foi o valor efetivamente recebido pelo Réu, e está representado por vários depósitos bancários e Transferências Eletrônicas Diretas TED, nos valores de R$ 551.953,89, R$ 198.183,67, R$ 120.000,00, R$ 185.402,65, e R$ 35.000,00 todos feitos no Banco Bradesco, agências 2274-8 e 0003-7. Houve devolução de R$ 185.923,11, R$ 43.171,31 e R$ 3.094,42, que foram compensados por reapresentação destes cheques, até atingir o montante de R$ 968.272,20.
Ainda, o valor de R$ 350.000,00, relativo ao mútuo datado de 12/01/2005, foi constatado como integralmente repassado ao Goiás Esporte Clube, nas datas de R$ 05/01/2005, 17/01/2005 e 21/05/2005, nos valores de R$ 50.000,00, R$ 100.000,00 e R$ 200.000,00, pela auditoria elaborada pelo próprio autor, através de empresa por ele contratada, a Terco Grant Thornton.
O mesmo aconteceu em relação ao valor de R$ 300.000,00, que a mesma auditoria, Terco Grant Thornton, constatou ter sido repassado ao Goiás Esporte Clube em uma parcela, em 04/03/2005.
Estes débitos constam da prestação de contas do réu Raimundo Joaquim Queiroz, e foram aprovadas pelo Conselho Fiscal e pela Assembleia Geral do Autor. E também estão nos demonstrativos contábeis do Goiás Esporte Clube que foram publicados em jornal de grande circulação.
Portanto, é suficiente a prova material de que o autor efetivamente recebeu todos os valores constantes dos contratos que ele pretende ver declarados nulos.
Também é claro que o autor tem plena consciência de que estes valores foram por ele recebidos, tanto que constantes de suas demonstrações contábeis e validados pela auditoria externa por ele contratada.
Este aspecto fático já é suficiente para sepultar a pretensão do autor e evidenciar sua má fé, abusando de seu direito e valendo-se da presente ação para furtar-se ao pagamento da dívida contraída junto ao réu.
Mas há de acrescentar-se que as dívidas foram renegociadas, com redução dos juros de 3% (três por cento) originalmente pactuados para o percentual de 1%. Tal ocorreu através do 'contrato de confissão de dívida e de parceria sobre valores econômicos e financeiros advindos de negociação de atleta profissional de futebol e outras avenças', datado de 08 de janeiro de 2007 e juntado pela requerida JF Esportes Ltda.
Recalculada com juros de 1% a dívida foi consolidada em R$ 3.004.700,00, e paga, através da cessão, para a JF Esportes Ltda., de 50% do valor bruto resultante da negociação do jogador Welliton Soares Morais.
A JF Esportes Ltda informou em sua contestação, em afirmativa não impugnada pelo autor, que os direitos federativos deste jogador haviam sido comprados pelo Goiás Esporte Clube, por R$ 300.000,00 e que ele havia se destacado e já havia proposta de US$ 2.000.000,00 por tais direitos na data em que foi celebrada a renegociação da dívida.
Mas, o autor, segundo alegou a JF Esportes Ltda., no que não foi contestada, preferiu postergar a venda de tais direitos federativos, por acreditar que eles se valorizariam ainda mais. Daí ter preferido ceder à JF Esportes Ltda., metade do valor relativo a tais direitos federativos, do que desde logo fazer a venda e quitar sua dívida.
Essa foi, segundo alega a ré JF Esportes Ltda., em afirmação não negada pelo autor, a razão da renegociação dos três contratos ora questionados, entabulada através do mencionado 'contrato de confissão de dívida e de parceria sobre valores econômicos e financeiros advindos de negociação de atleta profissional de futebol e outras avenças', datado de 08 de janeiro de 2007.
A partir deste advento, a JF Esportes Ltda., passou a ser sócia do Goiás Esporte Clube, na proporção de 50% para cada, em relação ao produto da venda dos direitos federativos do jogador Welliton Soares Moraes.
Como noticia a requerida J.F. Esportes Ltda. na ação de execução em apenso (processo n. 201102295820), em 02/08/2008 o jogador Welliton Soares de Moraes foi transferido para a equipe F.C.Spartak Moscow e o Goiás Esporte Clube recebeu R$ 21.040.000,00 por seus direitos federativos, experimentando, como havia previsto, enorme vantagem financeira com a grande valorização do atleta, cujos direitos haviam sido por ele adquiridos por R$ 300.000,00 e cujo valor do passe, aproximadamente um ano e meio antes, quando celebrado o contrato com a J.F. Esportes Ltda., era de dois milhões de dólares.
Todavia, o Requerente Goiás Esporte Clube não cumpriu o avençado na renegociação celebrada com a J.F. Esportes Ltda., deixando de lhe repassar os 50% referentes à sua participação nos direitos federativos respectivos.
O que motivou o ajuizamento, pela J.F. Esportes Ltda., da referida ação de execução contra o autor, em 11 de maio de 2009, originalmente perante o Juízo da Comarca de Porto Alegre-RS, aproximadamente dois meses após a propositura desta ação anulatória (protocolada em 18/02/2009).
A análise da prova documental demonstra que o Goiás Esporte Clube agiu com má fé, tendo ajuizado esta ação anulatória e formulado representação criminal contra os requeridos com o objetivo único de furtar-se ao pagamento da dívida correspondente a 50% do valor bruto recebido pela venda dos direitos federativos do atleta Welliton Soares Moraes para a equipe F.C.Spartak Moscow e, para tanto, buscou alterar a verdade dos fatos, enquadrando-se nas hipóteses do art. 17, II e III do Código de Processo Civil.
O dinheiro emprestado pela J.F. Esportes Ltda. realmente foi entregue ao Goiás Esporte Clube e os juros, originalmente fixados em 3% ao mês, foram reduzidos para 12% ao ano, adequando-se ao limite legal.
As demais questões, referentes a origem do dinheiro e eventual irregularidade do endereço da J.F. Esportes Ltda., além de restarem não comprovadas, não tem a mínima relevância para a solução da lide.
Lembremos que questões tributárias e societárias da J.F. Esportes Ltda. são completamente estranhas à sua relação mutuária com o Goiás Esporte Clube.
A alegação de que o mútuo é operação privativa de instituição financeira não encontra respaldo legal. Trata-se de contrato típico, previsto no Código Civil (art. 586 e seguintes) acessível a todos.
O prazo do mútuo, como o de qualquer contrato, pode ser indeterminado. Trata-se de hipótese igualmente prevista no Código Civil, art. 720. Não há vício na contratação de mútuo por prazo indeterminado.
No que toca a irregularidade de representação, é ela questionada pelo autor ao argumento de que faltou a assinatura do diretor financeiro. Mas todos contratos foram assinados tanto pelo presidente quanto pelo diretor financeiro do Goiás Esporte Clube, Senhores Raimundo Joaquim Queiroz e Sílvio de Oliveira, sendo que o último figurou nos três primeiros contratos, que são os questionados na presente ação, como testemunha. Não existe, portanto, sequer a situação fática que embasa a alegação de nulidade formulada pelo autor.
Além disso, o estatuto do Goiás Esporte Clube não exige a assinatura conjunta do Diretor Financeiro e do Presidente para contratação de mútuo. O art. 55, IV, citado pelo autor, prevê que a assinatura do Diretor Financeiro, ou na falta deste, do Diretor Administrativo ou do Diretor de Patrimônio somente é necessária no caso de 'cheques e outros documentos relativos a movimentação de fundos e valores do clube'. Neste conceito não está a contratação de empréstimo.
Desnecessário, assim tecer maiores considerações até mesmo sobre a aplicação da teoria da aparência ao caso vertente, levantada pelos requeridos, pois está evidente que não houve violação aos estatutos sociais do clube.
Portanto, os contratos não são simulados. Restando comprovado que o autor recebeu o dinheiro lhe dado em mútuo e renegociou sua dívida, pagando-a, na data de 08 de janeiro de 2007, quando foi consolidada, pela aplicação de correção monetária e juros de 12% ao ano, no valor de R$ 3.004.700,00, com 50% dos direitos federativos do atleta Welliton Soares Moraes, os quais, na ocasião, valiam um milhão de dólares.
Os parâmetros da renegociação foram, portanto, compatíveis com o valor da dívida.
Não há comprovação de simulação ou lesão ao autor.
O que se comprovou ter ocorrido foi uma enorme valorização dos direitos federativos do atleta Welliton Soares Moraes, que o autor pretende não repassar à Requerida J.F. Esportes Ltda., o que originou a presente ação, a execução e os embargos do devedor em apenso.
Ante ao exposto e por tudo o que consta nos autos, JULGO IMPROCEDENTEa presente ação anulatória, mantendo válidos os contratos impugnados.
Ainda, condeno o Autor GOIÁS ESPORTE CLUBE como litigante de má fé, em multa equivalente a 1% (um por cento) do valor da causa atualizado, nos termos do Artigo 18 do Código de Processo Civil - CPC.
Em face a sucumbência, CONDENO o Autor no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Promova o desapensamento dos presentes autos da Ação Anulatória para o prosseguimento da Execução, na forma da lei.
Goiânia - GO, 29 de Maio de 2014.
Levine Raja Gabaglia Artiaga
Juiz de Direito