sexta-feira, 3 de maio de 2013

O Japão no Brasil: Uma Casa (Bem) Longe de Casa


As 165 famílias japonesas que embarcaram no navio Kasato Maru em 28 de abril de 1908 não sabiam bem como era o destino que lhes esperava, 50 dias de viagem depois, mas sabiam de uma coisa: estavam indo para trabalhar. Trabalhar muito. Aliás, não só aqueles primeiros, mas todos os quase 180 mil nipônicos que, até 1940, desembarcaram no porto de Santos.

A história da imigração japonesa no Brasil é essencialmente essa: a de um país necessitado de mão de obra, abrigando gente que, por alguma razão – seja guerra ou crise demográfica –, prefere deixar sua pátria. É uma história em que os brasileiros entraram com sua hospitalidade e flexibilidade, e os japoneses, com trabalho e disciplina. Acontece que a saga dessa colônia deu tão certo que, com o tempo, a equação já não se limitava a ser essa. As gerações passaram, e os imigrantes se incorporaram tanto que logo havia japoneses sendo mais brasileiros do que os próprios brasileiros. Às vezes até no futebol.

Pense hoje em Ronaldinho: o drible do elástico – em que começa a levar a bola para um lado, com a parte de fora do pé, e, no meio do caminho, a puxa para o outro. De onde o gaúcho o tirou? De Roberto Rivellino, certo? Nada. A patente é de Sérgio Echigo, um nisei, filho de imigrantes japoneses, que jogou no Corinthians na década de 60. “Num treino dos aspirantes, ele dominou uma bola na lateral e fez aquilo. Jogou o Eduardo, um zagueiro nosso, quase para fora do campo”, recontava Rivellino anos depois. “Olhei para ele assustado: ‘Japonês, o que é isso que você fez?!’ E ele, então, me ensinou. A única coisa que o Echigo diz é que o elástico quem inventou foi ele, mas eu que aperfeiçoei”, brinca o campeão mundial da Copa do Mundo da FIFA de 1970 com o Brasil.

E vice-versa
E, se no futebol, afinal, a imigração japonesa podia acabar resultando em drible novo, a via contrária, a emigração brasileira para o país asiático, também não precisaria se limitar à exportação de talento e criatividade. Quer dizer, claro que em 1991, quando o Kashima Antlers escolheu Zico para ser seu grande embaixador – seu e de toda a incipiente J.League –, a principal razão para isso era o fato de que o brasileiro jogava muita bola. Mas também aí os dois lados se sentiram tão à vontade que a contribuição acabou se estendendo. Se hoje o brasileiro tem duas estátuas e um minimuseu seus em Kashima, é também por sua ajuda naquilo por que o Japão mais é conhecido: rigor e organização.

“Eu sabia que eles queriam que eu jogasse, mas não sabia se podia. Deixei claro que, aos 38 anos, estava parando e tinha intenções de fazer mais. O pensamento era o de dar uma contribuição na transformação do futebol amador para o profissional e, em função de o meu próprio temperamento ir ao encontro da cultura japonesa – de disciplina, superação, determinação – as portas foram se abrindo e conseguimos desenvolver muito todo o futebol do país”, conta Zico ao FIFA.com. “No final, só me tornei técnico da seleção japonesa(em 2002, até 2006) por eles; pelo povo. Os japoneses foram sempre tão gratos a mim que não podia negar. Passei a viver experiências do dia a dia - fora do campo, da cultura mesmo – que me deixaram numa situação muito confortável no país. Foi a melhor experiência possível para começar minha carreira de treinador.”

Minha pátria, sua pátria
Por muito que, historicamente, japoneses e brasileiros tenham se relacionado tão bem, as diferenças culturais entre um lado e outro – e entre um futebol e outro – não são para se ignorar. Difícil até saber qual missão foi mais complicada: se a de ser um brasileiro desbravando um futebol ainda quase amador, como fezRuy Ramos, ou a de um primeiro nipônico precisando buscar espaço justo onde o Brasil tem mão de obra mais qualificada.

Depois de chegar de Shizuoka às categorias de base do Juventus, em São Paulo, em 1982, aos 15 anos, Kazuyoshi Miura não só realizou o sonho de se tornar profissional no Brasil como o fez em alto nível, jogando num clube como o Santos. Nada fácil para quem chega de um país até então conhecido pela falta de tradição numa modalidade de que os brasileiros tanto se orgulham. “Eu era jovem: cheguei ao Santos com 21 anos e aprendi muito, dentro e fora do campo”, disse Kazu, em português perfeito, ao ser anunciado como embaixador santista no Japão em 2011, ano em que o clube disputou a Copa do Mundo de Clubes da FIFA. “Até hoje agradeço pelo carinho que a torcida santista ainda tem por mim.”

No caso de Ruy Ramos, as dificuldades foram outras, mas o carinho, idêntico. E com a diferença, ainda, que a relação dele com o novo país se tornou algo mais forte e duradouro. “Cheguei ao Japão com 20 anos, em 1977: uma época em que não havia quase nada. A liga era amadora, e os campos, de terra. E, para comer, sushi. Minha vida era isso”, brinca ele em conversa com o FIFA.com. “Mas eu me adaptei. Aliás, mais: me apaixonei. Minha pátria é o Japão. Eu sou japonês”, diz ele, tatuagem com a bandeira do Japão no ombro, enquanto conta sobre como aprendeu o idioma, se naturalizou de fato em 1988, defendeu a seleção do país e nunca retornou ao Brasil para mais do que algumas semanas de férias. E tudo isso, claro, dito com sotaque e expressões carioquíssimas.

Essa naturalidade toda no relacionamento entre as duas culturas, a esta altura, já se tornou famosa. Quando desembarcar no Brasil para a disputa da Copa das Confederações da FIFA, em junho, a seleção campeã asiática sabe que estará, de alguma forma, representando, além dos que ficam em seu país, uma colônia local de mais de 1,5 milhão de pessoas – maior população de descendentes de japoneses em todo o mundo. “Eu já tentei imaginar como será isso, ainda mais num país tão apaixonado pelo futebol como oBrasil”, diz o técnico do Japão, o italiano Alberto Zaccheroni, ao FIFA.com, quando fala sobre a participação da equipe, que abre o torneio justamente diante dos brasileiros, dia 15 de junho, em Brasília. “É, sem dúvida, um estímulo a mais para os nossos garotos, mas também uma responsabilidade. É como estar um pouquinho em casa.”

O tempo passou e o futebol japonês evoluiu a outro patamar, mas isso permanece. A sensação de chegar aoBrasil ainda parece aquela mesma de quem chegou no início do século 20: de como quem está um pouquinho em casa.

FIFA.COM

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