terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Editorial do Jornal Opção: Valério Luiz e a Cautela do Jornalismo


O radialista e comentarista esportivo pode ter sido assassinado por um consórcio entre civis e policiais militares. Mas, como as investigações da Polícia Civil não foram concluídas, recomenda-se cautela ao bom jornalismo. Acusados (e suspeitos) não são o mesmo que culpados
Fernando Leite/Jornal Opção
Valério Luiz, comentarista esportivo polêmico, e Maurício Sampaio, cartorário em Goiânia: o segundo pode ter mandado matar o primeiro. O motivo preciso? Ainda não se sabe qual foi


Não há como excluir a emoção do jornalismo. Ainda que os textos sejam objetivos, escritos com o máximo de frieza ou racionalidade, os fatos deixam, por assim dizer, “pingar” algumas gotas de emoção. O mesmo ocorre com o adjetivo. Usado sem parcimônia costuma empobrecer as reportagens e artigos, que precisam de substantivos e verbos, para ganhar força e movimento. Mas o adjetivo, quando utilizado com precisão e não para efeitos ornamentais, às vezes é o sal da vida. Pode-se dizer que um adjetivo bem posto ilumina a vida, humaniza atos e seres. A cobertura de notícias policiais, em geral as que mais catalisam emoções e adjetivos, exige cautela redobrada. Porque aquilo que parece verdade meridiana adiante pode se revelar falso ou inconsistente. Veja-se o caso do radialista e comentarista Valério Luiz de Oliveira, de 49 anos — assassinado há pouco mais de sete meses, em 5 de julho de 2012, em frente ao seu local de trabalho, a Rádio Jornal 820, em Goiânia.
Num primeiro momento, Marcus Vinicius Pereira Xavier, de 28 anos, mencionado como açougueiro, embora não se saiba o que faz de fato, foi preso pela Polícia Civil de Goiás e confessou que havia matado Valério Luiz. Teria recebido R$ 9 mil por um serviço cumprido com precisão cirúrgica. Quem matou o radialista atira com um grau de excelência rara. Não errou nenhum dos seis tiros, dados nos locais apropriados, isto é, com o objetivo de matar, não de ferir. Como o depoimento de Marcus Vinicius parecia inteiramente consistente, com dados fartos e com as coisas se encaixando à perfeição, a Polícia Civil, por intermédio da titular da Delegacia de Homicídios, Adriana Ribeiro de Barros, apresentou-o como “assassino confesso” de Valério Luiz. No fundo, em conversas reservadas, os delegados “desconfiaram” de parte do depoimento do açougueiro. Entretanto, diante daquilo que parecia exato e enfático, abaixaram a guarda. Ante a pressão da sociedade e da Imprensa, talvez não restasse outra saída.

Logo depois, talvez em decorrência das pressões dos possíveis agenciadores do assassinato — um coronel da Polícia Militar disse ao Jornal Opção que tem “gente estrelada”, quer dizer, oficiais, envolvida —, Marcus Vinicius chamou a delegada e apresentou nova versão. Teria emprestado a motocicleta e até o capacete, mas não teria cometido o crime, e citou o cabo da PM Ademá Figueiredo — que está preso, acusado de participar de uma chacina, na qual uma criança de 4 anos foi morta com um tiro na nuca — como responsável pela morte de Valério Luiz. O cabo Figueiredo, ao negar a pistolagem, frisou que, no momento do crime, estava na casa do jornalista Joel Datena, filho do jornalista Datena Júnior, ambos funcionários da TV Bandeirantes. Joel Datena confirma apenas parcialmente a história do ex-segurança de sua família. No dia do assassinato, admite o jornalista, o militar esteve em sua casa. Mas não soube precisar se no momento do crime Figueiredo continuava em sua residência.

Ao observar com atenção um vídeo que flagrou o assassino de Valério Luiz, a polícia notou que é parecido tanto com Marcus Vinicius quanto com Figueiredo. Policiais experimentados sugerem que é mais parecido com Figueiredo. Como base nisto, já é possível enfatizar, com absoluta certeza, que o cabo matou Valério Luiz? Não. A cautela, vital no Estado democrático de Direito, no qual a presunção de inocência é um imperativo, exige que o militar seja apresentado como “suspeito”, porque, pelo menos até sexta-feira, 8, não era citado como “acusado” pelo Polícia Civil. É natural que, depois do “recuo” de Marcus Vinicius — que teria sido “plantado” como “assassino” por um grupo de policiais militares, que supostamente o “controla” e “monitora” —, os delegados e agentes estejam se comportando de maneira ainda mais reservada. A sociedade e a Imprensa pressionam, mas a polícia, por mais que possamos discordar, precisa ter cuidados especiais para não destruir reputações de modo incontornável. 

O Jornal Opção recebeu a informação de que um tenente-coronel e um capitão participaram da logística do assassinato de Valério Luiz. Trata-se de uma informação “hot”? Talvez sim. Sabemos os nomes dos dois oficiais, mas não devemos revelá-los. Porque podem ser inocentes. A própria polícia, que tem os nomes e reuniu muitas informações sobre os militares, não pediu suas prisões porque não encontrou, até momento, uma prova que os ligue decisivamente ao crime.

A redação do Jornal Opção tem recebido informações de várias fontes sobre o assassinato de Valério Luiz. Elas podem ser verdadeiras, mas não há provas. Submetemos algumas ao exame de dois coronéis da Polícia Militar. Eles sustentam aquilo que a sociedade sabe: a maioria dos policiais militares é honesta. Contestam a informação de que há um esquadrão de assassinos na PM goiana, mas admitem que, sim, há grupos organizados que, se não chegam a roubar, matam pessoas — prestando favores ou recebendo dinheiro. O desrespeito à hierarquia, em alguns casos — “poucos”, insistem —, é flagrante. Há sargentos que mandam em capitães e majores. Tais militares são apontados como incontroláveis e, por isso, podem matar qualquer pessoa. Os coronéis acreditam que o caso Valério Luiz pode contribuir para passar a PM goiana a limpo. Aqueles que não respeitam as leis, se perceberem que alguns de seus colegas foram punidos — “com prisão e perdendo a farda, que é o que mais temem” —, podem mudar de conduta. Se os assassinos de Valério Luiz escaparem dos tentáculos da Justiça, observam os dois coronéis, eles vão ficar ainda mais incontroláveis e matarão outras pessoas. Eles são ou eram escravos da ideia de que, como se julgam acima da lei — comportando-se como policiais, promotores, juízes e carrascos —, não podem ser punidos. Na democracia, ao menos, não deve ser assim. A polícia deve investigar e, de posse de mandado judicial expedido por um magistrado, prender. O promotor de justiça denuncia. O advogado defende ou acusa. Na ponta, já na fase processual, o juiz julga e, daí, condena ou absolve. Se o criminoso for a júri popular, os jurados decidem se devem absolvê-lo ou condená-lo.

Deixamos por último, propositadamente, a discussão sobre o empresário e cartorário Maurício Borges Sampaio, de 54 anos, um dos homens mais ricos de Goiás. O ex-dirigente do Atlético Clube Goianiense tinha um contencioso com Valério Luiz. Este, quando Maurício Sampaio e o tenente-coronel Urzêda deixaram a diretoria do time, disse que, quando o navio está afundando, os ratos são os primeiros a abandoná-lo. O empresário, que não gostou do comentário ácido, teria jurado “matar” o radialista. Ele teria dito isto a algumas pessoas. Há outras histórias envolvendo o Atlético — o time teria comprado resultados para não ser rebaixado no Campeonato Brasileiro de Futebol de 2011 —, mas, como não há provas, optamos por descartá-las.

Ao ser preso, Marcus Vinicius acusou, de imediato, três pessoas pelo assassinato: o “motorista” ou “faz-tudo” Urbano Carvalho Malta, o sargento Djalma Gomes da Silva e o “patrão” do primeiro, isto é, Maurício Sampaio, titular do 1º Tabelionato de Protesto e Registro de Pessoas Jurídicas, Títulos e Documentos de Goiânia. Providencialmente, outros nomes, de dois oficiais da Polícia Militar, não foram mencionados, como se nada tivessem a ver com o crime. Com base nas informações, além de outros levantamentos, como contatos telefônicos entre os suspeitos e/ou acusados, a polícia pediu e a Justiça decretou a prisão de Maurício Sampaio.

Os fatos apontam para Maurício Sampaio como mandante do assassinato, mas o empresário insiste que é “inocente”, que “não” mandou matar Valério Luiz. Conta-se que no Núcleo de Custódia, onde está preso, teria sugerido, depois de repetir pela enésima vez que não é responsável pelo assassinato, que a polícia deve investigar outras pessoas. Não citou nomes, mas quem o ouviu disse que se trata, provavelmente, de policiais militares — “estrelados”, como disse ao Jornal Opção um coronel da PM.

Na sexta-feira, 8, um delegado frisou que é preciso estabelecer, com mais firmeza, a motivação do crime. A história dos dirigentes-ratos do Atlético talvez não seja a motivação central. Mesmo assim, tanto o delegado quanto outros policiais, além dos dois coronéis ouvidos pelo Jornal Opção, asseguram que dificilmente Maurício não tem envolvimento no crime. É possível que seu funcionário, com o apoio de militares, tenha articulado o crime para agradá-lo? É provável, mas Urbano Carvalho não tinha (e não tem) dinheiro suficiente para bancar a logística do assassinato. Os militares, se estruturaram a operação para liquidar Valério Luiz, também não tinham fundos para bancá-la. O assassinato de Valério foi financiado por quem tem dinheiro e arquitetado por quem entende o mínimo de táticas e estratégias e, na execução, por quem sabe atirar muito bem — possivelmente, um militar.

A Polícia Civil avalia que o crime foi mesmo cometido pelo grupo que está preso, com a participação intelectual e operacional de policiais militares que não estão presos. Entretanto, por cautela e admitindo a questão da presunção da inocência, este Editorial não pode dizer, ainda, que Maurício Sampaio mandou matar Valério Luiz. A polícia o trata como “acusado”. Há quem entenda que, apesar das evidências, ainda deve ser visto “suspeito”. A vida exige certezas, mas o jornalismo precisa de admitir que tem dúvidas, mesmo quanto tudo parece muito bem esclarecido. É possível que Marcus Vinicius recue do recuo? Claro que é. Acrescente-se, por fim, que os advogados de defesa estão no seu papel — que é tentar livrar os acusados da cadeia, agora e mais tarde. Mas a competente, corajosa e íntegra delegada Adriana Ribeiro de Barros não deve se intimidar. Nem os advogados.

Editorial do Jornal Opção

Nenhum comentário: